Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: Sinais dos tempos – 2

C

1. Desejando enganar-me, estou
convencido de que a teimosia ideológica de
Passos Coelho, a tal que vai para além da troika, acabará por asfixiar
de todo a nossa frágil economia e de nos meter, então sim, num buraco do qual
jamais sairemos. Mas hoje quero apenas salientar a prestação do líder do
Governo em Gouveia, aguentando os insultos organizados com fair-play e
entrando mesmo em diálogo com os manifestantes. Não sei se teremos
primeiro-ministro para resistir a esta crise diabólica, mas sei que temos um
homem que dá a cara, com coragem e humildade, pragmatismo e bom senso. Chapeau!
2. A hora da verdade aproxima-se também para os clubes de futebol
profissional. Viveram de empréstimos bancários, venderam o património que
tinham ou que as autarquias lhes deram, anteciparam receitas de direitos de
transmissões televisivas, elegeram dirigentes desqualificados, deixaram-se
embarrilar por empresários, compraram pernas de pau, assumiram
compromissos com o fisco e não cumpriram. Só podiam ir à falência.
3. Os centros comerciais facilitam a distinção entre as empresas que
remam para sobreviver à maré negra e aquelas que se deixam ir, até ao
naufrágio. Há dias, num dos shoppings da capital, fui abordado por
vendedores de duas lojas de ramos diferentes que, à porta, tentaram
convencer-me a entrar. Mas eu queria comprar um relógio e dirigi-me a outra, na
altura sem qualquer cliente. Passei por uns dez empregados, que conversavam
animadamente, em grupos de dois ou três. Parei em todos os expositores à
procura da máquina do tempo que pretendia e não encontrava. Acabei por
sair em cinco minutos, sem que um único daqueles candidatos ao desemprego me
perguntasse se queria alguma coisa. É uma desgraça, não tarda está lá um tapume.
4. O início da semana trouxe-me a notícia da morte de Igrejas Caeiro,
uma das mais fascinantes personalidades que conheci e com quem privei quando
ele foi director de programas da Emissora Nacional. Era detestado pelos
administradores da rádio, por concentrar todas as atenções em encontros sociais
ou de trabalho. Há quase 40 anos, manteve uma polémica com o crítico de teatro
do Diário de Lisboa, Carlos Porto, o que levou o jornalista Neves de
Sousa a interpelar os barões da redação do antigo vespertino, dizendo
que, quando morresse, viria na primeira página do Diário de Notícias, e
Porto, um homem sério, sairia apenas na secção de necrologia. Caeiro foi uma
estrela do seu tempo, não deste, e o DN não o levou à capa. Fê-lo o Record
porque o seu diretor, eu próprio por sinal, não resistiu ao facto de dispor desse poder e abusou
dele para cumprir a profecia por ínvio caminho. E para a fazer chegar a mais do dobro dos leitores, diga-se a concluir…
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 23 fevereiro 2012
 

Por Alexandre Pais
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