Alexandre Pais

Uma grande aventura que continua

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Começo por saudar a coragem dos comentadores que, ‘fora da caixa’, trazem à tona o tema tabu do rendimento de Cristiano Ronaldo. Em especial aqueles que o fazem de boa fé e não por fidelidade à teoria pequenina de que é preciso que o êxito dos outros acabe depressa para nos podermos esquecer que somos uns falhados.

Este último não é o caso de Luís Aguilar, cujas análises aprecio, e que disse na SIC Notícias: “Estávamos aqui a ver os adeptos a saírem do Dragão e muitos diziam: ‘Só faltou o golo de Cristiano Ronaldo’. Como se uma vitória sem o golo de Ronaldo, uma vitória que decide a presença de Portugal no Mundial, fosse menos”. É assim uma espécie de Aguilar contra o Mundo, porque os adeptos – os milhares que acorrem aos estádios e os milhões que veem pela TV – querem poder continuar a assistir ao percurso de uma lenda. De um artista global que se tornou incontornável pelas muitas centenas de golos, mas igualmente pelo talento, a técnica superior, a força mental transcendente e a inesgotável – e inesgotada – capacidade de trabalho e de atingir objetivos. E ainda pelo exemplo tocante: o da recusa em aceitar que uma condição social modesta na origem fosse condenação fatal a um futuro de insucesso e de miséria.

Justificada a expetativa dos seus admiradores, há que tratar do que de facto interessa: o rendimento de Cristiano, que obviamente já não é o dos verdes anos. Aí, Aguilar tem razão – “todos acabam”. E é verdade que não se pode viver do passado, nem de estatísticas por muito arrasadoras que sejam. Como estas: a Seleção, com Ronaldo, classificou-se para cinco mundiais em cinco oportunidades, apurou-se para cinco europeus em cinco, disputou três finais e ganhou dois títulos; e sem CR7 participou em três mundiais em 14 (!) hipóteses, esteve em três europeus em 11, com zero finais e títulos idem aspas.

Sim, o que conta é a produtividade atual e não a continuação da grande aventura. E no que respeita a golos a eficácia é, na realidade, menor. Isolado diante da baliza – como vimos na fase inicial da partida com a Macedónia – Cristiano é agora menos letal. A questão é que tem dias e quando acerta, como sucedeu contra o Tottenham, resolve os jogos. Foi um ‘hat-trick’ decisivo apenas há três semanas, meus senhores…

Cristiano é hoje muito mais jogador de equipa. Frente à Turquia, fez o drible e deu o passe para a assistência no primeiro golo, e no segundo, com um toque de letra, quebrou as linhas de marcação. Com a Macedónia, assistiu Bruno Fernandes para o 1-0 e depois criou espaço, ‘arrastando’ o central, para Bruno poder fazer o 2-0. Era por isso que Fernando Santos o devia ter substituído? Aliás, o próprio Bruno Fernandes não podia ser mais claro: “Cristiano cria muitos espaços para que outros jogadores façam golos, provavelmente os meus dois foram por causa dele”. Falando quem sabe do que fala, os doutores vão para casa.

Aos 37 anos, como Pepe aos 39 – que exibição! – Cristiano tem ainda, e terá seguramente até ao próximo Mundial, um nível competitivo mais do que suficiente para ser titular e liderar a Seleção. Os raivosos que esperem porque a vitória é certa. Um dia, ele acabará. Aliás, um dia, todos estaremos mortos.

Parágrafo final para um enorme alívio: vimo-nos livres do dr. Rebelo. Obrigadinho, ò Costa!

Outra vez segunda-feira, Record, 4abr22

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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