Alexandre Pais

O adeus ao Manel num sábado terrível

O

Foi um dia maravilhoso para os benfiquistas: de tarde, ganharam, no Jamor, a Taça de Portugal do futebol feminino, e conquistaram, na Luz, o campeonato, e à noite e de madrugada festejaram os êxitos pelas ruas de Lisboa. Mas foi igualmente um sábado amargo para os lisboetas, pois às movimentações – e aos carros que a euforia encarnada fez entrar na capital – juntaram-se as famílias dos milhares de quase licenciados que vieram para a bênção das fitas. Nem Isaltino de Morais, ao fechar a Marginal para as corridinhas dos barrigudos, consegue provocar um caos daqueles. Que se estendeu ainda, do trânsito, a restaurantes cheios, postos de combustível com filas e caixas multibanco sem dinheiro. Um pesadelo. E estava eu dividido entre a paciência que a vida me foi dando e o desespero que sempre espreita os alfacinhas, agravado desta feita para um nível absurdo, quando recebo uma notícia tenebrosa: morreu o Manuel de Brito. E o sábado, se já era mau, passou a ser horrível.
Em 2003, ao chegar ao Record, tentámos retirar ao rival “A Bola” um dos seus trunfos de referência: a tira de humor “Barba e cabelo”. A operação esteve bem encaminhada, quase concluída mesmo, mas uma intervenção de Margarida Ribeiro dos Reis tornou-se decisiva para manter Luís Afonso na concorrência. Pensámos, então, numa alternativa, e foi o próprio Luís que – para não nos deixar “pendurados” – se lembrou do Manel, seu amigo, e de constituir com ele e com o António Reis a sociedade Dar o Litro. E assim nasceu a “Pancada central”, cujo sucesso levou o Record a criar novas rubricas de humor, umas fixas e outras em tempo de campeonatos da Europa e do Mundo, o que me permitiu conhecer melhor o Manel. E a ficar a dever-lhe boa parte dos grandes resultados que conseguimos na primeira década do século. Só depois de contratados pelo Record, a Dar o Litro e o Manuel Brito passaram, dada a inegável qualidade do que produziam, a colaborar com mais títulos da Cofina, com o “Correio da Manhã” à cabeça, naturalmente – o “Bananal” foi um achado! –, mas também com a “Sábado”, o “Negócios” e a “TV Guia”.
Não é a partida do humorista e a perda do seu talento que me dói mais, antes o adeus do amigo que me ofereceu bons momentos marcados pela sua vastíssima cultura, pela imbatível experiência como editor, pela superior inteligência e pelo espírito subversivo que ele deixava flutuar entre o utópico e o racional. E pelos conselhos e incentivos que me ajudaram a conduzir o meu barco ao porto de abrigo final, bem para lá da data de chegada prevista. Como foram poucas, desgraçadamente rápidas, as nossas viagens de carro a Serpa – por vezes na companhia do Luís Santana – ao encontro do Luís Afonso, de almoços magníficos e trela sem balizas, com a “Barba” e a “Pancada” sobre a mesa… Quando alguns leitores me diziam preferir uma delas à outra, tinha de me rir para dentro.
A espera pelo desfecho temido foi particularmente dura. Encontrámo-nos, por acaso, há meses, no Hospital Lusíadas, eu a fazer o “check up” de rotina e ele a dar luta ao inimigo. Combinámos pela enésima vez o almoço que sabíamos que nunca faríamos porque o Manel não queria falar da doença e nem o Luís Afonso era capaz de o trazer ao palco de tantas conversas inesquecíveis. Pelo que ficarei até ao fim do meu tempo a vê-lo afastar-se pelo corredor do hospital, de chapéu e de braço dado com uma fada boa, após um aceno e um sorriso que logo cravei no peito. Até sempre, meu querido.
Outra vez segunda-feira, Record, 20mai19

Por Alexandre Pais
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