O português é uma criança, uma flor, um malmequer como diz a canção.
É uma defesa. O Mundo anda tão perigoso, a atualidade tão brutal, o País tão em crise, a nossa vida tão deprimida que ou regressamos à infância ou caímos numa nada saudável vontade de emigrar, de ir morrer longe, de entrar, sei lá, noutra dimensão, ou simplesmente de desaparecer porque nos julgamos metidos num beco sem saída. E se não é, parece.
Regressar à infância significa que cada um de nós vai buscar aquele restinho de ingenuidade que nos ficou, para poder sonhar. Eu, por exemplo, volto com facilidade às matinés de desenhos animados – com as impagáveis histórias de Tom e Jerry, do rato Mickey ou do pato Donald – no lisboeta e já mítico cinema São Jorge, ou aos livrinhos com que a editora brasileira Abril inundava o nosso pobre mercado, com as travessuras da Mónica e do Cebolinha, que lia era já homem mas ainda e sempre criança.
E volto para quê? Para vaguear nas nuvens, para me esquecer de agruras e sentir a nostalgia de tempos que não voltam para trás. Desconfio que não estou só. Que esta época derrancada que atravessamos, que é de permanente preocupação, de angústia torturante e não raramente de amargura, obriga outros portugueses a entrar muito na onda do faz de conta.
Veja-se o sucesso de Hulk, um jogador admirável, a quem vestimos o fato do Incrível com o mesmo nome – criado pelos lendários norte-mericanos Jack Kirby e Stan Lee, em 1962 – como se o seu rendimento resultasse de ataques de ira idênticos aos do super-herói atingido pelos raios gama. E repetimos, felizes, a fórmula até ao esgotamento.
Entusiasmados, inventámos agora o Capitão América – curiosamente criado, 20 anos antes, pelo mesmo Jack Kirby, e por Joe Simon, para a Marvel Comics – outro ícone de um mundo fantástico, para glorificar a inesperada capacidade goleadora de Onyewu. É esse o espírito com que irei hoje a Alvalade. Com o meu discreto disfarce de Shrek e esperançado em ver um jogo sem casos, um clássico leal, um confronto puro e duro à moda antiga. E só uma criança consegue sonhar assim.
Canto direto, publicado na edição impressa de Record de 7 janeiro 2012
