Alexandre Pais

Nem um crocodilo apareceu no funeral!

N

Óbvios seguidores do que está a dar e conhecendo a popularidade desse desporto nacional emergente que é o tiro ao Cabrita, os canais de TV agarraram como puderam a derradeira saga do disparate continuado, que tinha ainda por cima a chancela da tragédia: o atropelamento mortal provocado pela viatura oficial do ministro.

O problema é que a televisão vive da imagem e para ilustrar a notícia havia unicamente as marcas no carro e o local do sinistro – e nem sequer uma visãozinha da dor. A morte de um homem, de um infeliz trabalhador que estava no sítio errado à hora errada, não pôde, assim, assumir a carga dramática que acorda o país e recomenda, aos políticos do espetáculo, a simulação do pesar. Do tipo das lágrimas de crocodilo vertidas pelo incêndio numa garagem ou pelo rebentamento de uma botija de gás – desde que os casos sejam profusamente documentados por vídeos e lamúrias de simples passantes que ouviram dizer.

É verdade que Eduardo Cabrita cumpriu os deveres mínimos e apresentou condolências à família da vítima. Mas não é menos certo que ninguém do Governo – nem um obscuro ajudante de ministro – compareceu no discreto funeral de Nuno Santos, um pai de duas filhas em idade escolar, que mereceu do Estado, ao serviço do qual estava a mão que o matou, apenas indiferença e esquecimento. Que pobreza de gente.

Antena paranoica, Correio da Manhã, 26jun21

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

Arquivo

Twitter

Etiquetas