Alexandre Pais

Je ne suis pas Charlie

J

Ao criminoso ataque à redacção do Charlie Hebdo respondemos à boa maneira portuguesa: com dor, emoção e solidariedade. Entrou tudo pela porta, desde faróis da deontologia, em prova de vida, a despeitados caluniadores das redes sociais, em lavagem de carácter.
Travei o impulso mal controlei um primeiro sentimento de espanto e de revolta. Afinal, não sou Charlie e não posso entrar ao disfarce no grande albergue dos justos.
Dou alguns exemplos. Chefiei a redacção de um jornal controlado por um partido político e defendi, pelo que escrevi e pelo que não permiti que se escrevesse, não a mentira mas coisa diferente da verdade. Trabalhei noutro título, conhecido por afrontar todos os poderes mas cujo director me mandou travar a fundo no dia em que uma investigação jornalística teria de passar por um amigo seu. Dirigi uma redacção onde se cultivava a obsessão pelas misérias da vida das figuras públicas e que silenciou, por decisão minha, um escândalo provocado pela mulher de um big boss do grupo editorial, tomada pelos vapores dos éteres. E já na Cofina, e por diversas vezes, pedi aos cartunistas do Record para moderarem um humor que poderia ofender espíritos mais sensíveis.
Donc, je ne suis pas Charlie, je suis juste Ahmed. Sim, inclino-me perante a memória de Ahmed Merabet, o polícia muçulmano que morreu a defender o direito de outros a ridicularizar a sua fé.
Observador, Sábado, 16JAN15

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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