Alexandre Pais

Em parágrafos – 2

E

1. Escritor de
raro talento, Miguel Esteves Cardoso publicou há quatro ou cinco anos um livro
com um palavrão no título e provocou um escândalo já menor que o do álbum de
Pedro Abrunhosa e dos Bandemónio que, no século passado, foi censurado por ter
utilizado termo idêntico. Foram precursores dos tempos adiantados que atravessamos, em que dezenas de humoristas, alguns
dignos de dó, utilizam tudo o que podem para chocar as pessoas e poderem assim
ganhar a vida. É uma opção que resulta, pelo que se vê, mas também aí estou
contra a corrente: comigo, morriam de fome.

2. Continuam a
cair bombeiros em combate por esse país fora, vítimas primeiras da incúria que
leva os proprietários a não limparem os terrenos – a quantidade de casas coladas ao arvoredo, por exemplo, é
inacreditável – e o Estado a não cumprir as próprias leis, mantendo a floresta
ao abandono, as matas densas e sem acessos, o território desordenado. Só me
espanta a generosidade dos homens e mulheres que se imolam para defender os
bens alheios e cujas famílias veem, em caso de tragédia, pouco mais do que
lágrimas de crocodilo. Virão de outro planeta?

3. Em nome da
democracia, respeitamos o tirano sempre reeleito no Zimbabué. Em seu nome,
invadimos o Iraque – apesar de aí o déspota também ter sido eleito – e deixamos
hoje que milhares de inocentes sejam abatidos à bomba. Em seu nome, criámos no
Afeganistão um estado-fantoche reduzido a Cabul. Em seu nome, suportamos a
legalidade na Síria e vemos crianças a serem gaseadas como insetos. Mas já nos esquecemos da democracia e passamos para
o lado dos bandidos quando apoiamos oligarquias árabes ou africanas que nadam
em petróleo e nos permitem fazer umas negociatas. Príncipes do cinismo, eis o
que somos.

4. Admirador de
Fernando Mendes e de Miguel Vital, e sempre babado
com as assistentes, vou passando pelo Preço
Certo
, na RTP1. Num destes dias, uma concorrente, com um colar cervical
(!), dizia estar de baixa… há três anos. E veio alegremente a Lisboa
participar na festa. O regabofe não tem pudor.

5. Quem sabe
antes de 29 de Setembro, o Tribunal Constitucional meterá na ordem os despachos
do tipo cada-cabeça-sua-sentença que os senhores juízes parecem emitir segundo
o achódromo pessoal, e que permitem
ou não as candidaturas a outros concelhos ou freguesias dos
autarcas-dinossauros de fina colheita. O mais desesperante é o alheamento da
opinião pública – seja lá o que for essa espécie que temos por cá – quanto à
desmedida ambição dos espertalhões. Como se vê em Oeiras, onde a lista
patrocinada pelo dr. Isaltino segue à frente nas sondagens. A ética é morta,
ponto final.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 29 agosto 2013. Tema de Sociedade da semana: livros com palavrões nos títulos

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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