Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: O que fez Cavaco

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Conheci Carlos Fino numa visita que fez a Lisboa, nos idos de 70. Conversámos por breves minutos nos estúdios da RDP, então na Rua Sampaio e Pina, nas já míticas instalações do velho Rádio Clube Português, de boa memória. Eram dias difíceis: para ele, que trabalhava em Moscovo no fio da navalha soviética, e para nós, envolvidos em disputas partidárias numa estação oficial cativa de interesses políticos. Quando estive na capital da então URSS, na viagem oficial do Presidente Costa Gomes, em 1975, vi bem como apertava a malha do controlo policial do regime e como até as conversas que os jornalistas portugueses mantinham uns com os outros eram escrutinadas por colegas russos que falavam fluentemente a nossa língua. Calculo, por isso, o exercício que constituiria ser correspondente naquela freguesia e tive pena de não ter aprofundado com o Carlos a magna questão. Vivíamos depressa de mais e a oportunidade perdeu-se.
Decorridas quase quatro décadas, é deveras complicado, para não dizer impossível, que quem não a viveu compreenda a realidade da época. E nem é preciso recuar tanto no tempo para que essa complexidade se coloque. Podemos, por exemplo, recordar o pecado que é hoje injustamente atirado à cara do bode expiatório de todas as desgraças da nação: Cavaco Silva. A propósito da morte de Nelson Mandela e do envio natural das condolências em nome de Portugal, não faltou quem lembrasse ao Presidente o voto desfavorável à moção que pedia – nas Nações Unidas, há 26 anos – a libertação dos presos políticos sul-africanos e apoiava a luta armada contra a ignomínia do apartheid. Cavaco era primeiro-ministro e a decisão pertenceu-lhe.
Estar de fora e defender o politicamente correto é fácil, mais ainda quando Mandela passou de preso político a símbolo universal. Mas, na altura, quem decidia tinha sobre si pesadas e acrescidas responsabilidades. Com Angola e Moçambique a braços com guerras fratricidas, os emigrantes instalados na África do Sul tinham aumentado de forma drástica e seriam então mais de 600 mil. Apoiar a luta armada, por muito legítima que fosse face à crueldade da minoria branca, poderia resultar numa retaliação sobre a nossa comunidade e no seu inevitável envolvimento no banho de sangue que se anunciava.
Os dez anos de permanência de Cavaco Silva em S. Bento foram-me penosos, já que alguns dos seus agentes na comunicação social me perseguiram profissionalmente, o que me leva a sentir simpatia zero pela trupe. Mas não me deixo arrastar por menoridades. Em 1987, Cavaco não quis arriscar, em nome do que devia ser feito, a vida de milhares de portugueses. E fez bem.
Observador, Sábado 12DEZ13. Tema de Sociedade: Carlos Fino

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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