Com o céu carregado de nuvens, cinzentas de pessimismo, chegámos, enfim, ao ano de todas as interrogações. Ninguém se atreve a diagnosticar nada para além do que é consensual: o dilúvio. E como o oráculo – Medina Carreira, 80 anos no próximo dia 14 e na plena posse dos seus dons – garante que a crise é endémica e vai durar, o mar de dúvidas que temos pela frente é imenso.
A primeira onda do desconhecido chama-se défice. Terá o Governo capacidade para cumprir os celerados 4,6%? Conseguirá continuar a cortar na despesa, compensando a inevitável quebra das receitas? E o juro da dívida? Manter-se-á abaixo dos 7%? E o FMI virá para aí provocar mais estragos no nosso bolso? Poderá uma economia em pantanas evitar recorrer aos seus préstimos? E, não recorrendo, não seremos forçados a aplicar, de qualquer forma, as dolorosas receitas que nos viria impor?
A segunda onda perturbadora tem a ver com o rendimento das famílias. Quanto aumentarão, já este mês, os escalões do IRS? Irá o Executivo adoptar a sugestão de Fernando Nobre, de fazer pagar, os que “ganham mais”, 60 ou 70% dos seus rendimentos, ou seja, colocar na prática os que auferem melhores salários ao nível dos que recebem menos? Ficará finalmente o cirurgião, o juiz, o general, o gestor ou o piloto equiparado ao porteiro, ao caixa do supermercado, ao cantoneiro, ao soldado básico ou à senhora da limpeza? Será decidido o fim das empresas? A demagogia emergente passará a governar por decreto? Os loucos à solta tornar-se-ão, de vez, donos do País?
A terceira onda de incertezas é a social. Até onde chegará o desemprego? Irá intensificar-se a contestação nas ruas? Conseguirão as polícias, desmotivadas e com menos recursos, manter a ordem pública? Que índices atingirá o crescimento da criminalidade? E a saúde? Que consequências terão os cortes de pessoal, de medicamentos e de exames complementares, de consumo de energia e de aquisição de equipamentos? As listas de espera para intervenções cirúrgicas irão aumentar? E a educação? Perderemos os ganhos dos derradeiros anos? Os professores retomarão as suas reivindicações? A acção social desaparecerá? E a justiça? Agravar-se-á o tempo de espera pela conclusão dos processos? A falta de meios tornará tudo ainda mais insuportável?
A penúltima onda, pois a última – ou a primeira – é a que respeita aos nossos receios individuais, fica para o futebol, perdoe-se-me a opção. Prosseguirá o domínio do FC Porto do segundo semestre de 2010? Benfica e Sporting continuarão a dormir na formatura? A bancarrota destruirá mais clubes?
Teremos de reinventar o ovo de Colombo. Sobreviver é o que nos resta.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 6 janeiro 2011