Alexandre Pais

Bruno Lage, o flautista da Luz

B

Foi uma semana não direi de punhos de renda mas de alguma sensibilidade cívica, manchada apenas pela ação dos grunhos que apedrejaram a camioneta dos encarnados ou dos ativistas noturnos que terão lançado uns foguetaços junto ao hotel onde pernoitou o Benfica. É uma espécie de lepra sem cor da qual dificilmente nos livraremos enquanto o Estado, as escolas e as famílias se mantiverem unidos no confortozinho suicida de fechar os olhos à realidade.
Mas indo aos que contam no futebol, a verdade é que os dirigentes falaram pouco – e em tom algo envergonhado para o que nos habituaram – e os treinadores trocaram galhardetes, avançando ainda com a previsão de quem jogaria e de como jogaria o adversário. Nesse aspeto, Bruno Lage, com um discurso novo e descomplexado de falso distraído, veio desanuviar muito o ambiente – com as vitórias a ajudar, claro – e, antes do clássico, Sérgio Conceição deixou-se ir no rasto da música do flautista de Hamelim instalado na Luz, até porque a “casual” prorrogação do seu contrato em vésperas do duelo o transportou para o país das maravilhas. Não voltará – penso eu de que – a cometer esse erro. Afinal, Sérgio, o Truculento, perde não só a graça, como a eficácia quando veste a pele de Sérgio, o Tranquilo.
Mesmo nas zonas técnicas, onde sempre a panela ferve e os nervos transbordam, o embate dos gigantes não correspondeu às expectativas. Houve um momento – veja-se no que dá a marcha inexorável do tempo – em que julguei ver Bruno Lage em amena troca de impressões com o diretor do futebol portista, Luís Gonçalves, que também não costuma ser propriamente flor que se cheire, tendo a cavaqueira terminado com um simpático abracinho. O cavalheirismo imperou ali, na zona histórica onde Jorge Jesus ajoelhou – e agora com o FC Porto a perder! Não, não estamos preparados para tamanhas delicadezas.
No relvado, não houve igualmente os mosquitos por cordas de outras ocasiões, talvez porque a maioria dos jogadores já se conhece bem, outros convivem nas seleções e há os demasiado tenros para se meterem em alhadas. Mas nem tudo foram rosas e Pepe, por exemplo, bem podia ter evitado aquela cena macaca com João Félix, que tem idade para ser seu filho e que merecia não o regresso do Pepe que pontapeava adversários em Espanha, mas a compreensão de um jogador ímpar que em épocas sucessivas no Real Madrid e na Seleção se transformou, como profissional e como homem, num modelo para os jovens.
Perdida a contenda em campo, estranhei finalmente a contenção de Sérgio nas declarações finais, embora compreenda a dificuldade que teria em se atirar ao árbitro. Vejamos, no golo de Adrián López, com tabela no peito de Marega, Pepe deveria ter ficado imóvel para que o lance fosse legal. Ao baixar a cabeça, teve intervenção na jogada e condicionou Odysseas. Mais tarde, Jorge Sousa ou o VAR ou os dois não quiseram ver uma estalada de Brahimi a Rúben Dias, que resultaria na expulsão do argelino. Portanto, da arbitragem Sérgio não se podia queixar. E Lage idem aspas. O desmiolado comportamento de Gabriel só não custou o triunfo ao Benfica porque o recorrente pressing final dos portistas ontem não funcionou. Nem era dia, nem houve inspiração, foi a sorte.

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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