Os dramáticos acontecimentos do verão e a campanha eleitoral trouxeram-nos imagens televisivas de pessoas que não vemos normalmente no ecrã. Muitas pareciam até mais abastadas do que o mortal comum a quem se pergunta se a gasolina está cara, se no verão vai à praia ou se no Natal come bolo-rei. Mas a surpresa dessas caras novas – de bombeiros a autarcas, passando por secretários de Estado e especialistas de clima, mestres em floresta, repórteres e analistas de tudo ou de coisa nenhuma – encontrava-se em algumas bocas que os realizadores de TV, distraídos uns, cruéis outros, não poupavam aos grandes planos.
Dentes sujos, dentes tortos, dentes encavalitados, dentes partidos e dentes em falta surgiram em catadupa em todos os canais ao longo deste 2017 de má memória. Mas o descuido com a higiene oral e a ausência de noção de triste figura não têm só que ver com motivos económicos ou com a incapacidade de definir prioridades. Trata-se mais de uma questão cultural porque o Estado nunca apostou na saúde dentária dos portugueses e com isso deixou que os privados elevassem os preços e os tornassem proibitivos. E hoje as famílias lá vão arranjando dinheiro para tudo menos para as cremalheiras rotas.
Feliz 2018, leitor!
Antena paranoica, Correio da Manhã, 30DEZ17
2017: o ano das cremalheiras rotas
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