Uma das causas do nosso amor ao desporto reside no facto de ele possibilitar não só que os teoricamente mais fracos possam sair vencedores, como de permitir também que os atletas sejam protagonistas de casos de superação verdadeiramente extraordinários. Foi o que sucedeu com Carlos Lopes, que atravessou o deserto das lesões com a determinação de ferro que o fez campeão olímpico aos 37 anos – e campeão mundial aos 38 – quando muitos o julgavam acabado.
Como adepto dos desportos de inverno, vi agora nos mundiais exemplos do que é possível ao corpo humano alcançar, desde que à capacidade física se junte a força mental correspondente. Isso aconteceu uma vez mais ao norueguês Ole Einar Bjørndalen, que aos 43 anos (!) ganhou no biatlo a 45.ª medalha nos campeonatos e à sua compatriota Marit Bjørgen, que após paragem de um ano, para ser mãe, somou mais quatro medalhas – todas douradas – às 22 que já tinha no corta-mato. Quase aos 37 anos, é obra.
Mas o que mais me tocou foi o retorno de Nelson Évora. Porque os 32 anos não são os 22. Porque depois de se ter sido campeão mundial e olímpico já não se pode chegar mais alto. Porque lesões graves e longas ausências da competição levam a um recomeço penoso, o corpo “desaprendeu” e a motivação não se compra por catálogo. E porque quando se volta do inferno há olhares de descrença que matam. Tudo isso o Nelson ultrapassou e hoje não há cá futebóis – ele é o meu herói.
Canto direto, Record, 13MAR17
Quando se volta do inferno há olhares que matam
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