Portugal fez por Timor o que não quis ou não pôde fazer pelas outras colónias: defendeu a liberdade contra o colonialismo. Mas como a justiça não se agradece, nada nos devem os timorenses, sendo o seu governo soberano para tomar as decisões que entender.
Através das Nações Unidas, Timor recorreu à cooperação de países amigos, como Portugal ou Cabo Verde, para formar magistrados e compensar o défice de quadros do sistema de justiça. Como o processo não correu como esperava – e esperavam os novos interesses trazidos pelo petróleo – resolveu pôr fim a essa colaboração. Nada de mais.
Conheci de perto a prepotência e a arrogância de alguns dos nossos magistrados, e aplaudi há anos o bispo Ximenes Belo no seu apoteótico desfile pelas ruas de Lisboa – sei de que lado tenho o coração. Mas não posso, pese toda a simpatia, aceitar que Xanana Gusmão tenha expulso os portugueses em 48 horas, como se fossem malfeitores, e recusado a explicação que Passos Coelho tentou solicitar-lhe. Esse não é o gesto de um amigo. Para mais, de um amigo que sempre recebeu de nós solidariedade, afeto e passadeira vermelha.
Li de um fôlego Xanana – uma biografia política, de Sara Niner, mas hoje, quase de repente, deixei de ver o herói, o resistente que das montanhas timorenses conduziu, com profundo e inacreditável sofrimento, o seu povo à liberdade, e recordo apenas o guerrilheiro que, à mesa com o carcereiro indonésio, cedeu e renunciou à sua causa. É duro dizê-lo: para mim, o mito de Xanana acaba aqui.
Observador, Sábado, 13NOV14
Xanana destruiu o próprio mito
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