Alexandre Pais

Hoje é Sábado: Benfica, o poder da marca encarnada

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“Compra-me para o miúdo
uma camisola do Benfica.
Nós em casa somos todos Benfica”

A marca encarnada

O que une a TAP, a água do Luso, os CTT, as cervejas Sagres e Super Bock, a RTP, os cafés Delta, a Caixa Geral de Depósitos, o atum Bom Petisco ou o Correio da Manhã ao Benfica? São tudo marcas de grande projecção nacional, talvez as maiores, tão conhecidas dos portugueses como as palmas das suas mãos. Mas há uma, e só uma, capaz de mobilizar clientes, aos milhares, mesmo aos milhões, por todos os cantos do mundo – e essa marca, goste-se ou não, ame-se ou odeie-se o fenómeno desportivo e particularmente o futebolístico, chama-se Sport Lisboa e Benfica.

Estive há dias em Cabo Verde e fui uma vez mais confrontado com uma dura realidade: de um lado, a abastança dos turistas que, tudo tendo, se dão ao luxo de tudo desperdiçar e, do outro, a extrema pobreza dos empregados, que pouco têm. Esse contraste torna-se ainda mais chocante num resort de regime tudo incluído, em que a toda a hora se estraga comida como se de um bem excedentário se tratasse.

Os trabalhadores do hotel, algumas centenas de privilegiados numa ilha pobre e com escasso emprego, moram em casas modestíssimas no interior inóspito e desinfraestruturado. E ao largarem os seus turnos de serviço são rigorosamente revistados, estando impedidos de transportar qualquer alimento para fora das instalações patronais.

Tentei saber as razões de tão absurda proibição e um quadro superior da unidade, a título privado, deu-me uma pequena lição de gestão hoteleira. Quando se deixa o pessoal levar a comida em excesso para casa, a tendência é para ir garantindo sobras cada vez maiores, escondendo-as na cozinha e não as colocando à disposição dos hóspedes. E então lá se vai a fartura e a qualidade de vida, os clientes fogem, o negócio arruina-se e as barrigas, que generosamente se compuseram, ficam desempregadas. Triste lógica, esta.

Os contactos com os turistas estão também condicionados. Simpatia, respostas afáveis, mas inexistência de iniciativa dos locais para iniciar uma conversa. Assim, só por acaso a minha filha conseguiu falar com uma jovem cabo-verdiana, que trabalhava nos quartos e que aproveitou a ausência da supervisora para pedir: “Tu é que me podias mandar, de Lisboa, umas roupas para o meu filho, que tem 5 anos. Ele anda bem arranjado, mas eu queria umas coisas mais bonitas, que tu tens lá em Portugal. Amanhã, dou-te euros…”

O pedido foi imediatamente aceite: “OK, mas guarda o teu dinheiro.” Faltava um pormenor: “Compra-me ainda, para o miúdo, uma camisola do Benfica, em casa somos todos Benfica.” E desabotoou a farda, exibindo uma camisola encarnada com a marca registada que desconhece fronteiras.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 13 maio 2010

Nota – A cabo-verdiana com a camisola do Benfica que vemos na foto não é a mesma a que me refiro no texto.

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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