1. Quando
entro num avião, domina-me a desconfiança. Não sei se chegarei ao meu destino e
tremo igualmente com a probabilidade de ter confiado a minha vida a gente
impreparada. Não é a regra, eu sei, mas desde que o Costa Concordia naufragou por causa do
comandante bêbado e que o Airbus A330 da Air France se despenhou no Atlântico por incompetência dos
pilotos, como decorre do relatório final, que a consciência do perigo que corro
aumentou. Desconfio ainda da eficácia da equipa que em poucos minutos limpa a
cabina e sinto repulsa pela quantidade astronómica de germes que sempre escapa à
acção dos detergentes. São, assim, três ou quatro idas e voltas por ano que
requerem preparação psicológica e pedidos de clemência ao Criador, sendo o
regresso a casa o momento mais agradável de qualquer
viagem.
2. Já que me
referi à desgraça de um paquete de luxo, sublinho o êxito do porto de Lisboa,
que neste Agosto irá receber 21 navios de cruzeiros, entre os quais o Queen Elisabeth. Só no dia 22, teremos
quatro barcos atracados nas degradadas docas da capital, que não reúnem um
mínimo de condições para acolherem os turistas e lhes conseguirem reter algum
dinheiro. A demagogia da intelligentsia nacional, e a incúria e a
falta de visão dos governantes, ao longo de décadas, privaram o país de uma
importante fonte de receita e deixaram Lisboa com um cartão de visita
vergonhoso.
3. O retrato
da situação dos negócios de restauração, feito por um responsável da AHRESP, e
publicado no Expresso, é
aterrador. Cerca de mil restaurantes não voltarão a abrir após o encerramento
para férias e espera-se que até final do ano o número de portas fechadas,
incluindo bares, seja de 15 a 20 mil, com 50 mil desempregados. O que não
compreendo é como tantos ignorantes como eu vaticinaram a catástrofe, em
Janeiro, quando o IVA subiu para 23% – prevendo que o Estado iria cobrar não
mais mas menos impostos, e pagar, ainda por cima, mais subsídios de desemprego –
e as sumidades que tomaram a peregrina decisão não viram esse boi que tinham à
frente.
4. Pedro
Santos Guerreiro recorda-me, num editorial do Negócios, que Passos Coelho classificou a
privatização da RTP como “uma questão de princípio”. A verdade é que o Governo
meteu o princípio na gaveta e
vai, afinal, limitar-se a vender uma licença e a acabar com a RTP2, cedendo ao
apetite de mandar alguma coisa na comunicação social e arranjar empregos para os
primos. A algazarra contra Relvas acaba em consensual silêncio: ele fica e a RTP
também.
5. Por falar
em Passos Coelho: não poderia ter evitado a saloia e acabrunhante perseguição
mediática a que se sujeita e a que nos sujeita na Manta
Rota?
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 9 agosto 2012