Não é fácil recordarmo-nos do dia em que Sérgio Conceição não ganhou o jogo e aceitou o resultado. No Estoril, voltou a pintar a manta, irritadíssimo, a gesticular e a mandar vir contra o mundo – todo um clássico. E pior foi justificar-se com mais uma pergunta a Taremi – aliás, estúpida no contexto em que foi feita – para não comparecer nem na ‘flash interview’, nem na conferência de imprensa, no final da partida. É que o treinador portista já havia desmarcado as habituais declarações na véspera do jogo, pelo que ainda não sabemos o que tem a dizer a propósito das pedras com que energúmenos entretanto identificados pela polícia – e estranhamente não detidos – atingiram o carro onde seguiam a sua mulher e dois filhos.
Sim, o que tem a dizer, obviamente para lá da condenação que o ato bárbaro já motivou por parte de qualquer ser pensante. De facto, seria importante que um homem indiscutivelmente corajoso ‘explicasse’ a outros cobardes que se acoitam sob o emblema do FC Porto – como de todos os emblemas, incluindo o do Estoril – e que tenham a veleidade de repetir a anormalidade, que esse não é o caminho e que por esse caminho serão travados. Porque essa gentalha tem tendência a multiplicar-se.
Há uma semana, esbarrámos no inacreditável caso do miúdo obrigado a despir a camisola do Benfica, em Famalicão, e estamos hoje enojados com a abjeta atitude de uns canalhas, supostos adeptos do Estoril, que ameaçaram e despejaram impropérios – e cuspo! – sobre um adepto do FC Porto e a filha que trazia ao colo, expulsando-os da bancada para a qual o espectador dispunha de bilhete válido. Uma cena das mais miseráveis que vi, em 70 anos, num campo de futebol, eu que julgava já nada me poder surpreender.
Não nos iludamos, entre aqueles cavernícolas disfarçados de estorilistas – na realidade, são adeptos, sim, da violência e da javardice, e reféns das suas frustrações – e as bestas que apedrejaram a viatura de Sérgio Conceição, a diferença está apenas no ‘modus operandi’. Porque se uma pedra lançada para o interior de um carro pode matar uma pessoa, os boçais do Estoril que aterrorizaram aquela criança, sem qualquer sentimento de compaixão – nenhum deles terá filhas ou netas ou irmãs? – marcaram-na para toda a vida. Não têm perdão.
Não é por acaso, nem pelo preço dos bilhetes, nem pelas transmissões televisivas que os nossos estádios estão como estão. É que o futebol há muito que não é um espetáculo recomendável para as famílias. Vivemos numa sociedade que contemporiza com os criminosos e dá aos grunhos margem para se comportarem desta maneira. E os dirigentes desportivos portugueses imitam os legisladores distraídos e as autoridades temerosas: assobiam para o ar e tudo permitem. Não e não é ‘até um dia’, já não tenho ilusões. Quem cá for ficando terá de coexistir com os poderes dos selvagens a condicionarem a liberdade dos cidadãos indefesos. Mesmo a simples liberdade de circularem pelo seu país envergando a camisola do clube que amam. Que pobres somos!
Último parágrafo para saudar Vinícius Júnior e condenar o preconceito racista de que é alvo. Baila, Vini! E hala Madrid.
Outra vez segunda-feira, Record, 19set22