Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o taxista frequente

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Quando me meto num táxi, em Lisboa, sinto que mergulho no país real. Começa na qualidade das instalações – por norma envelhecidas e degradadas, muitas vezes sujas e emanando um cheiro em que se mistura o odor a suor, entranhado na cabina, com a lavanda ou o pinho dos ambientadores baratos – e continua na modéstia da apresentação dos motoristas e no comportamento de alguns, sem capacidade de convivência, regras de educação ou dons de cordialidade, incapazes mesmo do mínimo gesto de simpatia. Consigo hoje, logo após o arranque, saber a que classe pertence o taxista que me calhou.

1. O tu-cá-tu-lá com o poder. É aquele que colecciona clientes que considera famosos e que faz questão de revelar pormenores sobre a personalidade de cada um: “O actor fulano não parece mas é muito reservado, o doutor beltrano já me trata pelo nome, o engenheiro cicrano dá boas gorgetas, vê-se que há papel…” De maneira geral, é um falador, extrovertido e até vaidoso.

2. O que gostava de ser outra coisa. Como em todas as profissões,  existem ao volante os desiludidos e os frustrados, biscateiros que andam ali de passagem, na expectativa de virem a arranjar uma ocupação mais aliciante. Falam pouco com a clientela e suspiram imenso, entediados com o trânsito, com os sinais, com as manobras, com a polícia, com tudo o que mexa.

3. O obcecado com o taxímetro. Obrigado a apresentar ao patrão uma folha decente ou sendo remunerado em função disso, tornou-se num mestre de voltas e voltinhas, seguindo pelo pior percurso mas dando a ideia de optar pelo melhor. Dispõe de muito parlapié e põe o rádio alto para ajudar na animação.

4. O que anda ali mas não precisa. É o que tem terra de cultivo na província, uma segunda casinha no campo ou na praia e um sogro “carregado de dinheiro”. Não se intimida com a classe social da pessoa que transporta. “Eu, se quisesse, não andava aqui, mas também já falta pouco”, explica, acompanhando pelo espelho retrovisor o impacto provocado no freguês indefeso.

5. O inimigo da oficina. Num país onde a demagogia destruiu o negócio dos táxis, é um poupadinho que passa o tempo nas praças para não gastar combustível e jamais arrisca uma manobra que o faça bater. Sabe que o arranjo da máquina levaria todo o lucro, vive angustiado e faz questão de se lamentar.

6. O que diz que é tudo a roubar. É o falcão da arte, lê os jornais gratuitos de ponta a ponta, ouve os noticiários e faz-se entendido no que for. Chama “gatuno” a toda a gente, arrasa políticos e empresários, e se dependesse dele os julgamentos seriam sumários e as penas sempre de morte. É o taxista frequente – ao livramo-nos dele, a vida ressurge, maravilhosa ainda que chova.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 30 novembro 2011

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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