Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: cromo e castigo

C

A questão está no conceito, cromos não faltam. Porque generalizando a atribuição do diploma acabamos no Conquistador. Sim, aquela mania que D. Afonso Henriques tinha de se meter dentro de uma armadura… que saloio.

Desde que me lembro que houve figuras desalinhadas em relação ao comum dos mortais. Na rádio, eram famosas as direcções de orquestra de Joly Braga Santos, enquanto ouvia música, ou as suas subidas do Chiado em acalorados diálogos consigo mesmo. Ou também a simpatia do maestro Belo Marques, que oferecia fruta da sua propriedade a quem quisesse ir colhê-la. Ou o espírito de serviço do contínuo que recebia as mulheres dos militares enviados para a guerra colonial – que se deslocavam ao estúdio a fim de gravar mensagens para os maridos – e que se oferecia “para o que fosse preciso” porque, explicava ele às solitárias, sabia bem o que eram as suas “carências efectivas”.

Nos jornais, então, são incontáveis os casos de fúria dramática e que vão dos roubos compulsivos nas redacções – de fotos, de canetas, de papel de cópia, de lâmpadas ou até de pilhas dos comandos dos televisores – à teimosia dos veteranos que nunca se habituaram a escrever no computador, passando pela existência denodada, crescente e muito provavelmente perene de jornalistas que escrevem ou citam o que eles próprios não entendem, na esperança de que os leitores desvendem a charada.

Dito isto e considerando cromo tudo o que parece estranho ou até inaceitável ao nosso olhar, sou tentado a procurar identificar as minhas fases mais… cromáticas. Comecei, talvez, com a aplicação de brilhantina no cabelo e mais tarde de fixador, sim, porque antes da careca reluzia em mim uma cabeleira robusta que o vento facilmente desorganizava. Mais tarde, recordo com rubor as insuportáveis meias brancas – que quase todos os homens usavam – ou a malinha a tiracolo, uma coisa pavorosa que muitos insistem em justificar com o transporte de uma tralha inconcebível.

Atravessei igualmente uma ou duas décadas em que se compravam jantes de alumínio para os carros ou se pintavam as cinzentas, de origem, após retirados os tampões das rodas. E ultrapassei, sem mácula, a época dos ailerons, das buzinas esquizofrénicas, dos autocolantes nos vidros, dos cãezinhos a dar à cabeça no carpélio da prateleira traseira e de toda uma parafernália de extras nos automóveis.

Deixo para o fim o que julgo ser – aos olhos de hoje porque dentro de anos, espero, outros me assombrarão – o pior dos meus pecados, cometido quando a capacidade física viveu os melhores tempos: sim, a foto não mente, usei camisolas de alças. A penitência é dura e pago-a, em casa, dia atrás de dia.

Observador, crónica publicada na edção impressa da Sabado de 4 agosto 2011. Tema de Sociedade da semana: os “cromos”…

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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