Entrei em meditação
profunda, preciso de decidir se no próximo domingo irei votar, um dever a que
jamais fugi em 40 anos de democracia. Confesso que estou farto de ser
enganado e começo a não me lembrar até, tendo suportado a outra, dos benefícios
da vida em liberdade e do privilégio que constitui o simples facto de poder
intervir ao deitar o papelinho na urna.
Não havendo melhor sistema do que o democrático, encontro
nas autarquias o pior do comportamento dos partidos. Há uma câmara, e é só um
exemplo, na área da grande Lisboa, que tinha há anos cerca de 300 funcionários
e aquartela agora mais de mil. Ou seja, cada novo presidente leva consigo, no
desembarque, a obrigação de arranjar emprego, para além das próprias primas,
aos coladores de cartazes que o
apoiaram na campanha, e respetivos familiares e amigalhaços. Em tempos idos,
chamava-se a isso dar um bodo aos pobres.
Foi assim, para satisfazer a avidez das máquinas
partidárias, que se engordou a galinha pública, e é ainda hoje, em nome dos
interesses de um grupo de desqualificados e espertalhões, que o Estado consegue
roubar nas pensões de quem já não se pode defender ou retirar apoios sociais a
quem não dispõe de quaisquer outros recursos, mas não consegue fazer o que
devia: emagrecer o corpo anafado dessa ave parasitária que sempre resistirá –
com a cobertura que a força do voto dá aos autarcas-padrinhos – a todas as
tentativas para que faça dieta. O País desmorona-se? E ela ralada.
Encontro também outra perversidade na propaganda eleitoral
em curso, que é a facilidade e o descaramento com que alguns candidatos
prometem obra – mais alcatrão, mais
jardinzecos, mais corridas populares pelos centros das cidades – sem se saber
com que dinheiro, e a irresponsabilidade com que os partidos do arco da governação defendem o aumento do
défice para 2014, sabendo que com isso, e com as previsíveis futuras
intransigências do Tribunal Constitucional, não restará alternativa ao Governo
que não seja agravar até ao raiar do absurdo o que Vítor Gaspar classificou um
dia como brutal aumento de impostos.
Se for votar, sinto que estou a colaborar no suicídio coletivo.
Existe, claro, o outro lado da moeda: o progresso que a
afirmação plena do poder autárquico trouxe a Portugal, e a forma como se
desenvolveu em particular o interior abandonado, muito por força da visão e do
trabalho de mulheres e homens que se moveram unicamente pela vontade genuína de
servir. Se não me apresentar neste domingo, de arma na mão, estarei a trair
essa dádiva e esse mérito. Pior, como voto em Lisboa, virarei as costas a quem
me devolveu o orgulho de ser alfacinha.
Deixa-me pensar, António.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 26 setembro 2013