Alexandre Pais

Rui Vitória não vai lá com este discurso

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Homem calmo e “respeitador”, que cultiva o “low profile”, ao contrário de Jorge Jesus, ontem Rui Vitória parecia triste, com aquele ar de “looser” simpático mas atado à estrela do destino. Talvez afetado com o 1-4 de quinta-feira, no D. Afonso Henriques, em que a sua anterior equipa se afundou sem que ele pudesse fazer alguma coisa. E vontade de ir lá tentar metê-la nos carretos não lhe deve ter faltado – e como eu o compreendo. Esse é um problema de Rui Vitória, que o Benfica fez sucessor de Jorge Jesus com o mesmo otimismo voluntarista com que o V. Guimarães o substituiu pelo estimulante Armando Evangelista. Foram duas apostas de alto risco como os primeiros resultados da época estão a confirmar. Se isto fosse só acreditar, teríamos por aí Mourinhos aos pontapés.
Explicações. Rui Vitória tem é de voltar a ser o homem estruturado de sempre, de interiorizar que Guimarães é passado – mesmo que possa ser por pouco tempo, quem sabe? – e de “pedir explicações” aos que o rodeiam, começando logo pelo adjunto Arnaldo Teixeira mais as suas agitadas e produtivas comunicações telefónicas com Mercúrio. Algo de semelhante ao que fez Passos Coelho em relação aos responsáveis do Instituto Nacional de Estatística – lá colocados por ele –, cuja competência questionou após o INE ter impedido o Governo de brilhar com a descida do desemprego para 12,4% em junho, ao corrigir a sua própria taxa de maio para os mesmos 12,4%, quando um mês antes declarara que ela tinha sido de… 13,2%. O efeito do pedido de “explicações” foi retumbante: decorridos poucos dias, eis que o INE deita cá para fora novo índice de desemprego, agora o do 2.ª trimestre: 11,9%! A taxa é tão amiga do ambiente – 13% em abril, 12,4% em maio e 12,4% em junho dão 11,9% de média, como? – que só posso confrontar-me com a dureza da realidade: se não entendo, é porque sou estatística e matematicamente burro.
Modéstia. Claro que a esta hora Rui Vitória continuará preso ao discurso modesto de que estamos a trabalhar bem, de que os bons resultados não tardarão, de que “todos juntos” iremos lá ou de que os jogadores continuam cheios de “confiança”. Isso não é discurso para um treinador do Benfica, que tem de ser antes de tudo um condutor de homens supermotivados e que muito mal seria que se “picassem” com a conversa mole habitualmente utilizada para equipas de segunda ou terceira linha. Vai ser difícil vê-lo a “pedir explicações”, até porque teria de iniciar a tarefa por si e interrogar-se: será este o caminho? Ontem, como se não bastasse ter de jogar sem Luisão, sem Salvio, sem Maxi e sem Lima, caiu na armadilha do “não mudou nada”, de Jorge Jesus, e pôs-se a criar um estilo pessoal, atirando para a fogueira de um primeiro dérbi um inexperiente lateral-direito, abdicando de Eliseu, deixando Pizzi de fora, demorando quase uma hora a perceber que estava a jogar com 10 – Talisca ainda deve estar no Brasil… –, substituindo Ola John mal acabara de subir o rendimento do holandês e descobrindo, tarde e a más horas, o que todos estamos carecas de saber: que Jonas não é Slimani, ou seja, não pode andar isolado lá na frente.
Areia. E já que Jonas vem à conversa, direi que se estranha a sua intempestiva reação ao “cumprimento” paternalista de Jorge Jesus, no final do desafio, pois se não fosse a insistente aposta do treinador no brasileiro – primeiro na sua contratação e depois na recuperação do seu talento – ele estaria hoje algures entre a Arménia e o Turquemenistão. Mas quando me lembro daquela infantil perda de bola de Jardel, ao tentar “sair a jogar”, penso que o trabalho de Rui Vitória pode não ir lá com “explicações”. Descoseu-se a manta e agora uni-la de novo é capaz de ser muita areia.
Catalunha. E como nas contracrónicas não é obrigatório falar do árbitro – até porque Jorge Sousa se “limpou” bem do golo mal invalidado ao Sporting (como lhe terão explicado ao intervalo), não marcando a seguir um penálti a favor do Benfica, por derrube de Gaitán – deixo estas últimas linhas para o “designer” catalão Carles Duran, que ousou renovar a imagem de muitos anos do Record, e o tornou, com êxito, num jornal mais atualizado e mais bonito. Chapeau!
Contracrónica, Record, 10AGO15

Por Alexandre Pais
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