Ao longo de quase 30 anos, entre os 20 e poucos e os 50, tive mais de uma actividade e por isso nunca conheci, verdadeiramente, a dura face do desemprego. Comecei por dar explicações e fui depois funcionário público, animador cultural, manequim, operador de som, encenador de teatro, comerciante de roupa e editor de publicações. Só quando na minha efectiva profissão – a de jornalista – ganhei estabilidade, pude deixar-me de aventuras. Já não preciso de fazer equilibrismo na corda bamba para assegurar o bem estar da minha família, algo que ficou nas mãos de Deus, do destino, enfim, daquilo em que se acreditar. Certo, certo é que não voltarei a procurar trabalho. Uff!…
A instabilidade que atravessa actualmente o mercado laboral também não poupa os jornalistas. Os mais experientes, os que são editores, coordenadores ou chefes, não de circunstância mas de carreira, estão protegidos. Há poucos profissionais com perfil para assumir responsabilidades, pelo que é sinal de inteligência seguir esse caminho – assim a sua publicação se aguente, o que também não é fácil, pois o que parece firme hoje pode abanar, e até cair, amanhã.
Quem está em maior perigo são os quadros intermédios. Seniores que se dedicaram ao desk ou à investigação, à reportagem, quando os títulos reuniam recursos para investir nessa importante vertente jornalística, ou profissionais experientes sem vocação de comando e com pouca vontade de se meter em complicações, ou que se acomodaram e querem ter simplesmente um emprego… mesmo que seja apenas enquanto ele durar.
O seu problema começa no salário elevado que auferem em relação ao que produzem – e na pressão da legião de recém-licenciados que desesperam por obter um lugar e se dispõem a trabalhar muito e a custo reduzido – e termina na exigência crescente de direcções e chefias, dependentes dos resultados e cada vez mais indisponíveis para esperar que os mais velhos, alguns até seus compagnons de route, se disponham a fazer um dia aquilo que os estagiários aprendem num minuto e executam no seguinte.
Há um conjunto de qualidades que permitem manter um posto de trabalho – numa empresa que disponha, claro, de condições de sobrevivência. Já aqui as referi: a urbanidade, o entusiasmo, a disponibilidade, a apresentação, a capacidade de aprender, etc. Mas só há uma que pode garantir o futuro de um trabalhador, jornalista ou não. É a de poder responder sim a esta pergunta: sou absolutamente indispensável à minha organização? Se for, nenhum empresário digno desse nome o perderá. Se não, tem o desemprego à porta. Estivesse eu hoje ameaçado e não me arriscaria a passar por esse horror.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 2 setembro 2010