O génio de José Mourinho é indissociável da sua boa estrela. Ontem, em San Siro, teve o desafio ganho, após uma hora de domínio avassalador, e teve o desafio perdido, à entrada do último quarto de hora, na sequência de uma quebra rara e só explicável porque o futebol é um jogo.
O Real entrou como é seu timbre, de rompante, e quando, aos 10 minutos, o Milan fez o seu primeiro remate, já Higuaín, Cristiano Ronaldo e Pepe haviam tentado a sorte. Essa tónica manter-se-ia até ao intervalo, com o primeiro golo merengue, de sabor argentino – assistência perfeira de Di María para a finalização de Higuaín –, a ser apenas a confirmação do controlo absoluto da partida.
Mas o intervalo fez mal ao Real, que regressou ainda com gás suficiente para chegar ao 0-2, algo de que não foi capaz porque a lucidez com que controlava o meio-campo se dissipava à entrada da área do Milan, sempre com mais um toque ou com a pontaria desafinada. E se o alvo era atingido, lá estavam as mãos de ferro de Abbiati.
Sobre a hora de jogo, Allegri teve o seu feeling da noite ao fazer entrar Inzaghi, um veterano que, a caminho dos 38 anos, ainda pede meças aos melhores pontas-de-lança da Europa. E em 10 minutos, mais propriamente aos 68 e aos 78, o “velho” avançado apontou os dois golos do AC Milan (e com eles somou 70 nas competições europeias!), por sinal os primeiros sofridos pelo Real nesta edição da prova – um após uma “facilidade” de Pepe e uma má aposta de Casillas, que apostou num cruzamento “para trás” e foi apanhado em contrapé, e o outro após um fora-de-jogo simplesmente escandaloso.
Parecia sentenciada a partida, Mourinho já se dividia entre o que se passava no campo e a resposta aos insultos da bancada, e o Milan era dono e senhor das operações. Mas com o treinador português a realidade dura apenas até ao momento em que deixa de ser essa e passa a ser outra. E foram, não por acaso, dois suplentes que lançou no jogo – na que poderia ser já a “fase da descrença” – a evitar a sua primeira derrota como madridista: Benzema, uma vez mais brilhante, desmarcou Pedro León, sobre a direita da área, para o golo do empate.
Para ganhar ao Real Madrid não basta hoje jogar melhor ou ter mais sorte. É preciso também resolver, como direi… outros assuntos.
Crónica do AC Milan-Real Madrid, publicada na edição impressa de Record de 4 novembro 2010