Alexandre Pais

A greve dos jornalistas de agosto de 1983

A

Com a devida vénia, reproduzo o texto hoje publicado no ‘X’ (ex-Twitter) por Luís Paixão Martins, uma pequena mas relevante amostra de como, desde sempre, o poder tentou controlar a comunicação social.

A 10 de Agosto de 1983, os jornalistas fizeram greve geral em protesto contra a anunciada extinção da Agência ANOP. A propósito recordo episódios do processo que tiveram como protagonistas Balsemão e Marcelo. Já nessa época…

Quando Balsemão quis acabar com a ANOP e acabou sem Marcelo Os jornalistas da minha geração sabem da importância que a Agência ANOP teve no Portugal “provisório”, o período de quase uma dezena de anos algures na 2ª metade da década de 70 e 1ª da década de 80.

Era, de longe, a principal fonte de notícias dos Media portugueses, com uma redação qualificada e numerosa, cobertura própria do território nacional e dos pólos da lusofonia e representações das principais agências internacionais.

Em 1982, o Governo Balsemão projetou destruir a ANOP, mas, como sendo competência da AR decidiu pôr em prática plano da pólvora: criar uma 2ª agência (a NP), num modelo público-privado, deslocar para lá parte dos fundos do Estado e um contingente importante da redação da ANOP e esperar que esta “apodrecesse”.

Na biografia de Francisco Pinto Balsemão, de Joaquim Vieira, é o próprio então secretário de Estado da Comunicação Social, o político fugaz José Alfaia, quem recorda o processo que iniciou “imbuído das melhores intenções”.

Havia “uma grande pressão pelo défice orçamental”, justifica, e havia “um princípio importante que era a desgovernamentalização”.

“Não podíamos extinguir a ANOP porque tinha sido criada por Lei da Assembleia da República (do tempo do Vasco Gonçalves), que, portanto, o governo não podia revogar”, confirma Alfaia pelo que nasceu o plano de o Estado promover o nascimento de uma concorrente da “sua” agência.

“A nova agência, prossegue, viria buscar recursos humanos à ANOP. Havia o compromisso de recrutarem o máximo e ia-se esvaziando a ANOP. Assim nasceu”.

Alfaia afirma lembrar-se de “andar aos gritos no Palácio Foz” no dia em que foi assinada a escritura. Confirma que ficou todo contente por ter feito criar uma entidade concorrente daquela que tutelava. E estava descansado da parte da Oposição porque Almeida Santos, do PS, lhe garantiu: “Tudo o que for feito para acabar com a ANOP, nós não vamos levantar problemas”.

Visto assim à distância não parece desonroso para a reputação de independência e de autonomia noticiosa a agência nacional ser um alvo a abater quer pelo governo quer pela oposição institucional.

O plano Balsemão / Alfaia passava pela liquidação da ANOP, embora isso seja prudentemente omitido pelo secretário de Estado, mas o golpe fatal nunca chegou a ser dado porque o Presidente da República, Ramalho Eanes, vetou o diploma de extinção. Joaquim Letria, que era então porta-voz da PR, tinha, a dada altura, instado o governo a “cessar qualquer ato destinado a extinguir a ANOP”.

Balsemão fez ouvidos mocos à recomendação de Belém e, em 1983, o governo que queria desgovernamentalizar a Comunicação Social viu aumentar as participações do Estado nos Media com a entrada no capital da NP, além de ter mantido a ANOP.

Este episódio, no entanto, não chegaria ao final sem a cena da saída de Marcelo Rebelo de Sousa do governo de Francisco Pinto Balsemão. Dá-se a circunstância de que, em determinado momento do processo, estar agendado um debate parlamentar sobre o tema, para o qual eram esperadas as presenças do tal secretário de Estado que teve a ideia e de Marcelo Rebelo de Sousa, que titulava com a categoria de ministro a pasta dos Assuntos Parlamentares.

Marcelo escolheu esse dia para apanhar o voo de Londres, a fim de poder ir a uma conferência em Oxford, e o pobre do Alfaia, que não tinha a mínima experiência parlamentar (entre outras debilidades) ficou sozinho entregue aos bichos, perdão, aos deputados da Oposição. Houve quem reclamasse, devido à importância do assunto, a presença do primeiro-ministro, mas Balsemão não compareceu. “De modo que aquilo foi realmente um massacre”, recorda Alfaia.

“Lixado” com Marcelo, o coitado do secretário de Estado não se contém e dá uma entrevista a fazer queixinhas públicas de Marcelo. Este, entretanto regressado e invocando a sua costela de analista político, terá comentado a Balsemão: “É mau para si em termos de liderança ter um membro do governo a bater noutro, e logo um secretário de Estado a dizer isto de um ministro. Portanto, demita o secretário de Estado e depois o ministro”.

Balsemão chamou os dois a São Bento e, no final da audiência, recorda Marcelo, “chegámos cá fora (aos jornalistas) a dizer que éramos todos amigos, uma coisa patética”. Marcelo esperou uns dias exatamente pelas vésperas das eleições autárquicas para abandonar o governo – com direito a fuga de informação para o Expresso, claro.

A ANOP sobreviveu ao Governo Balsemão e a vários outros e veio, mais tarde, a ser fundida com a NP na LUSA. O decreto de extinção foi publicado em… 2014.

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

Arquivo

Twitter

Etiquetas