Alexandre Pais

Ao serviço das massas acéfalas

A

Nos meus textos das duas derradeiras décadas, defendi recorrentemente a seriedade dos árbitros, não alinhei nos celerados “roubos de igreja”, nem aceitei teorias da conspiração que justificassem a obsessão pelo “sistema”. Critiquei e critico, sim, deficiências na formação, critérios de escolha, falta de clareza em nomeações e a incompetência de alguns árbitros, que demasiadas vezes se manifesta, no terreno e na análise vídeo, para prejuízo do futebol.
Os defensores do VAR, nos quais me incluo, viveram anos na ilusão de terem descoberto a pólvora e sofrem hoje a desilusão pela pornográfica duplicação do problema. A explicação é fácil: o erro fez e fará sempre parte do espetáculo futebolístico. Mais: constitui, mesmo, uma das componentes que, reforçando a incerteza pelo marcador, contribui para a magia do jogo.
Quando falamos de erros por que deve tudo cair sobre as falhas dos árbitros? Então e os dirigentes que contratam anedotas? E os treinadores que escolhem mal os titulares ou optam por uma estratégia inadequada? E os jogadores que marcam na sua baliza ou são expulsos? E os comentadores, que antes e depois dos jogos – como “n” vezes me acontece – emitem considerações desfasadas da realidade e simples filhas da ignorância? Indefesos perante o tempo e as circunstâncias, incompetentes somos todos. Uns mais do que outros, é verdade, daí nascendo a diferença entre melhores e piores, sendo que são os últimos a sublinhar a imperiosa necessidade do investimento na preparação e no conhecimento.
Bruno Lage e Jorge Silas interpretaram, a propósito, dois momentos que merecem destaque. Com a honra que o carateriza, o primeiro salvou do apedrejamento público o jovem árbitro assistente que cerrou o punho ao confirmar ter dado uma indicação acertada – um crime para os fanáticos. O segundo, em cima de mais uma polémica oportunista em torno de supostos lapsos de arbitragem, veio a terreiro com palavras precisas: “Os árbitros cometem erros em todo o lado. Pontualmente, podemos sentir-nos prejudicados, mas em geral não acho que sejam maus. Eu confio nos árbitros portugueses”.
É certo: cometem erros em todo o lado. Em Espanha, não há semana sem asneira, e em Itália, basta recordar o último Milan-Juventus, para a taça, em que Quadrado foi atingido na cara dentro da área do Milan, numa falta clara para penálti, sem que o árbitro ou o VAR se dignassem, ao menos, analisar as imagens. Se fosse cá, havia gritaria para semanas.
Dito isto, e se mandasse – e se os clubes deixassem de colaborar na farsa, eis o busílis – eu apostaria tudo em duas vertentes: melhorar a qualidade dos árbitros, afastando os “incompetentes incorrigíveis”, e punir com severidade as desculpas de mau pagador que, para segurar as massas acéfalas, atingem cobardemente o caráter de árbitros e de outros agentes desportivos. Olhem, para começar bania dos estádios os miseráveis que ontem, insultando Marega, nos ofenderam a todos. A revolta do maliano corre Mundo, mas a vergonha lavar-se-à segundo a norma da casa: com lágrimas de crocodilo.
Outra vez segunda-feira, Record, 17fev20

Por Alexandre Pais
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