De Isabel Jonet só conheço, e por
ler e ouvir dizer, o seu trabalho à frente do Banco Alimentar. Chega para a
admirar, até porque
sofro do mal nacional do egoísmo e terei de aprender a olhar menos para o meu
umbigo.
A verdade é
que sei bem o que é a miséria, pois frequentei o primeiro ciclo escolar, há
mais de meio século, na Beira Alta, e fiquei marcado pelo que vi. Numa turma de
vinte e tal alunos, só cinco ou seis andavam calçados, o que significava que a
maioria percorria quilómetros, em pleno Inverno, por caminhos de cabras e pelo meio das matas, com os pés nus, carregados de
frieiras e de feridas. Alguns chegavam à escola em jejum e assim se aguentavam
até a uma espécie de almoço, quase sempre de broa, dura de dias, e batatas
cozidas. Outros comiam de manhãzinha, em casa, bocados de pão regados com vinho
tinto, as tenebrosas sopas de cavalo
cansado. A fruta comum eram umas maçãs pequenas e desenxabidas, que caíam
das árvores e se davam aos porcos. Muitos amigos meus vestiam uns trapos e
lembro-me de ver, nos pátios de entrada das suas habitações,
estrumeiras a céu aberto, retretes comuns de galinhas, porcos e seres humanos,
das quais emanava um cheiro nauseabundo.
Não sei se
Isabel Jonet viu, na recente viagem à Grécia, imagens que apontem para um iminente
regresso de tempos semelhantes áqueles em que Portugal vegetava, nos anos 50 –
uma situação de efectiva miséria. Porque a realidade actual é diferente. Mesmo
as pessoas que sobrevivem a custo e que nada têm, que se podem considerar como
os novos miseráveis de uma Europa que
falhou nas promessas de bem estar e nas expectativas que criou, jamais voltarão
a misturar-se com os animais, por muito que Merkel e a sua gente não se
importassem com isso. O limiar da pobreza está hoje mais acima.
Quem vive
além das suas possibilidades e vai ter de mudar de hábitos é certa classe média
deslumbrada que se deixou levar pela febre consumista e pela inveja social, sem
se esforçar por gerar os proventos que lhe permitam recorrer à necessidade de
adquirir para ser. São esses que não
vão poder comer bife todos os dias e que terão de fechar a torneira quando
lavarem os dentes. Não por culpa da troika,
mas pelo elefante branco da gula: comer mais do que se precisa, gastar mais do
que se ganha, parecer mais do que se é.
Isabel
Jonet foi pouco hábil na forma como tocou num tema delicado, com tantas
susceptibilidades em alta, tantos nervos em franja. Mas não merecia ler o que
se escreveu nas redes sociais. Porque enquanto os inúteis e os selvagens lavam
frustrações e a desancam, ela mantém de pé uma obra de solidariedade e
cidadania sem a qual a vida de muitos portugueses seria bastante pior. Chapeau.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 15 novembro 2012. Tema de Sociedade da semana: o Elefante Branco