Ser economista ou sociólogo, hoje, em Portugal, é ter um estatuto relevante. Dito melhor: mais relevante. Perdidos na imensidão das incertezas, voltamo-nos, por vezes já com algum desespero, para a palavra dos homens que julgamos capazes de explicar porque estamos arruinados e o que podemos fazer, se é que podemos, para escapar, ao menos em parte, ao dilúvio.
Vivi um último mês particularmente complicado, com reveses de natureza familiar a misturarem-se com as dificuldades próprias da direcção de um título que procura superar-se para apresentar resultados que o coloquem longe da linha de água. Tudo isso numa altura em que o check-up anual se cansou de trazer apenas boas notícias e começou a insistir com a máquina para que se cuide e evite parar antes de chegar o seu tempo.
Não é a primeira vez – quem me dera – que atravesso uma fase mais delicada e espero que não seja a última. Mas sempre ultrapassei esses períodos negros com a cabeça a comandar o corpo e não estava preparado para uma recuperação tão demorada como aconteceu. Ou seja, deixei de depender só da minha vontade e do meu autocontrolo, e passei a ser obrigado a ter em conta que, da desgraça que se abater sobre mim, maior ou menor, resultará um desgaste e uma factura para pagar.
Noutras situações, atirado que foi o azar para trás das costas, o refúgio na família e no trabalho fazia do retomar da normalidade uma questão de dias, mesmo de horas. De manhã, o sol nascia de novo e bastava sair de casa para a esperança se renovar. Hoje tudo mudou, como acabei de sentir na pele.
Agora, aos problemas individuais juntam-se os colectivos, não menos dramáticos. Abrimos a porta e já não nos espera a luz e o calor mas as nuvens, frias e cerradas. A nossa sociedade está gravemente doente e, garantem sociólogos e economistas, vai ficar moribunda. Os estados ameaçam desintegrar-se, a vida tal como a conhecemos irá modificar-se. Para melhor ou para pior? A resposta que nos interessava ouvir implicaria algum optimismo e ser optimista em Portugal ou é um acto de coragem que não podemos exigir de alguém ou um sinal de perturbação que ninguém quer ostentar.
Enquanto as expectativas caem e a descrença aumenta, e tudo parece desabar à nossa volta, ler e ouvir as previsões dos especialistas é a tábua que resta na jangada. Vender o naufrágio é o único negócio que não irá à falência.
Observador, publicado na edição impressa da Sábado de 3 novembro 2011