Alexandre Pais

Saberá Roger Schmidt onde se veio meter?

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Uma vez, o presidente do meu clube quis ter a gentileza de me comunicar em primeira mão o nome do novo treinador. E escreveu: “Vai ser o Rui!” Boa notícia, pensei, já que Rui Jorge tinha feito um grande trabalho nos juniores e respondera com eficácia à chamada para tomar conta, por duas ou três semanas, da equipa principal. Pelo sim, pelo não, confirmei: “O Rui Jorge, não é?” Mas a réplica abalou-me: “Não, o Rui [fulano de tal]…” Um rapaz que havia sido um dedicado capitão do Belenenses, só que para treinador não servia. E pouco durou no Restelo.

Nunca compreendi este ‘síndrome de Marcos Braz’ que atinge os dirigentes na hora de escolher as lideranças técnicas, escolhas essas muitas vezes condenadas ao insucesso logo à partida – não pela apreciação de entendidos, mas pela intuição de simples leigos como eu. É que a prospeção dos treinadores não é feita por observação direta, nem através de vídeos, é mais uma arte para os empresários que segredam ao ouvido dos interessados as qualidades ocultas das sumidades que têm em carteira.

Talvez com Rui Costa não tenha sido assim e a opção por Roger Schmidt nascesse dos resultados que obteve no PSV: 70 vitórias em 105 jogos é obra. De qualquer forma, o alemão traz com ele uma garantia: não é um treinador para meses como alguns que conhecemos e que chegam até ao desplante de se apresentar como ‘revolucionários’. Certo é que por onde assentou arraiais Schmidt deixou um rasto de competência, apesar de só ter sido campeão uma vez – na Áustria, em 2014.

As dúvidas quanto às suas possibilidades de êxito assentam, sim, naquilo que é a situação interna do Benfica. Para começar, Schmidt ignora a língua, a realidade e as manhas do futebol português, o que o deixa indefeso nas mãos de uma estrutura que Rui Costa não limpou e na qual permanecem aventureiros que deram cobertura a ‘rebeldes’ insatisfeitos com Jorge Jesus e vitoriosos na tarefa de correr com ele. Mal se haja oportunidade, esse ‘cancro’ – por ora sorridente e cooperante com o poder nascente – dará sinal de vida e Schmidt será trucidado. Fará ele a mais pálida ideia de onde se veio meter?

Além disso, o Benfica ainda não logrou libertar-se do bacoquismo de permitir que os novos técnicos destruam bases sólidas do plantel, enquanto aceitam ‘reforços’ inventados por quem gasta o dinheiro que não lhe pertence. Veja-se outra vez – é uma novela anual por esta altura – a provável ‘dispensa’ de Seferovic. Apenas num minuto, ele antecipou-se à defesa da Seleção Nacional e marcou o golo da Suíça – que seria o do triunfo. Em mais de 90 minutos, avançados que valem em conjunto centenas de milhões de euros esfalfaram-se por alcançar ao menos o empate e não foram capazes. O que interessará isso se Schmidt também não gostar de Seferovic?

Iremos, portanto, ver o filme do costume: iniciar a época com o pé direito e não falhar o acesso à Champions para impedir o dilúvio imediato. Porque, em boa verdade, o nome do treinador conta pouco para o adepto. Como aquele que ainda no sábado, no metro de Lisboa e perto de mim, dizia para outro: ‘É pá, não dou nada por este Roger não sei quantos…” Sem que obtivesse total concordância: “Enquanto cá esteve não era mau, mas depois foi para o Brasil e meteu-se com aquela… ‘Gallisteia’, não era?”

Outra vez segunda-feira, Record, 20jun22

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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