Alexandre Pais

Uma tragédia e duas calamidades

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Não percebo nada de incêndios mas ouço bem e não sou propriamente estúpido. E se tudo o que registei sobre a tragédia de Pedrógão Grande foi insuficiente para ter certezas, há uma que me fica dos depoimentos dos cientistas e dos homens no terreno: a do modo como se propagou o fogo.
Quando às 14 e 43 daquele desgraçado sábado se começou a atacar a primeira ignição em Pedrógão – que Jaime Marta Soares crê ter tido origem criminosa e cujas chamas os bombeiros quase tinham circunscrito umas horas mais tarde – havia uma dezena de incêndios em Portugal. O comandante operacional que explicou isto apoiou-se nos registos do site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para acrescentar que às 18 horas, após as trovoadas secas, os sinistros ultrapassavam já a centena!
Uma semana depois, como se a informação credível entretanto recolhida se apagasse ou os jornalistas regressassem de longa hibernação, uma estação de TV – que não aponto porque pecadores há muitos – levou a estúdio, como se de conhecedor profundo se tratasse, um senhor que fotografou o incêndio inicial e se “sentiu revoltado” ao ouvir o primeiro-ministro falar nas trovoadas secas. Apesar de misturar alhos com bugalhos e de não confrontar o homem com a própria ignorância, o duplopivô que o entronizou mostrou-se inchado pela relevância da sua descoberta.
Se o SIRESP é uma calamidade, o sistema de comunicação jornalística não é melhor – e a incompetência propaga-se sem precisar de ajudas.
Observador, Sábado, 29JUN17

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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