From: jjustino@epar.pt [mailto:jjustino@epar.pt]
Sent: sábado, 10 de Setembro de 2011 14:02
To: ‘Joffre Justino’
Subject: FW: Um recado a Henrique Monteiro, lembrando Van Zeller…
Meu caro Henrique Monteiro,
“…o nosso sistema económico baseado no Estado Social nao é sustentável”, dizes tu, hoje, no Expresso.
Eis o que, dito assim, a seco, como o fazes, é, em qualquer circunstância, uma frase terrivelmente ridícula e passo a explicar porquê.
Nota, antes do mais, que ainda me lembro das nossas conversas no Clube da Esquerda Liberal e, acentuo, continuo anti estatista como o era então.
No entanto, há que esclarecer que entre o Estado minimalista para a repressão feito, (a segurança da propriedade e dos bens e a contenção dos “estrangeiros”), e ponto final e o Estado Comunista, todo poderoso, mas na mão de uma elite, a “Direcção da Vanguarda do Proletariado”, detendo todos os meios de produção e gerindo-os por planos centrais, existe um naipe enorme de alternativas, criando basicamente terríveis e totalitárias burocracias.
Nesse enorme naipe de alternativas cabem um outro tanto naipe de pontos de vista e ideologias, sendo de recordar que foi um governo de Frente Popular, De Gaulle à frente, (cidadão reconhecidamente de Direita), que impôs o direito a férias em França, e criou as condições económicas e sociais para que esse direito se concretizasse, por via, não só mas também, do Estado e do seu papel na economia.
Aliás todos sabemos que o conceito Estado Social não é uma invenção da Esquerda, mas sim da Direita alemã, imposta, porque a governação não era propriamente democrática, aos empresários de então para conquistar a Paz Social que não existia nem na Grã Bretanha nem nos EUA de então, sendo que o conceito foi retomado, também para conquistar a Paz Social, no pós II Guerra, para melhor gerir os financiamentos vindos do Plano Marshall, em acordo com os Sindicatos e o SPD, mas numa governação de Direita.
Eis porque é bem fácil entender a razão pela qual Van Zeller, o anterior Presidente da CIP, disse à Antena 1, segundo o DN, “Ridículo era o povo aceitar estes sacrifícios e não ir para a rua, fazendo um desfile…Parecíamos parvos ou mortos”, recordando evidentemente que este silencio do governo sobre os esforços a fazer, pelo mesmo governo, para apoiar o crescimento económico é, “demolidor”!
Meu caro,
Já nem estamos nos finais do século XIX, nem no inicio do século XX.
Hoje, vivemos o tempo da IV Globalização e devíamos recordarmo-nos que o reino de Portugal liderou, com os Templários, a I Globalização, numa lógica aliás, exacerbadamente estatista, o que limitou bastante a criação de uma economia globalmente sustentável…, mas tendo-a liderado valia a pena aprender com ela também.
Nesta IV Globalização a questão levantada e bem pela Esquerda Liberal nos anos 80 está tão ultrapassada quanto a ideia do Fim da História sugerida por Fukuyama, que aliás já a negou, pois o Estado retomou um novo papel nesta Globalização da Economia – o de representação de uma comunidade, o de promoção da actividade dessa comunidade, e o defesa dos interesses dessa comunidade neste contexto global, onde as regras terão de ser refeitas se queremos ter uma economia de mercado e não uma economia de monopólios e de lobbies.
Conheci Van Zeller quando representei em variadas reuniões da CIP a APEAFOP, e descobri neste cidadão um bem positivo bom senso e sentido de negociação, o que me levou a refazer, por ele e pela sua equipa, a ideia que tinha da CIP.
Ao tempo da Esquerda Liberal o que nos unia era a necessidade de reestruturar uma economia de mercado fortemente abalada por estatizações sem rei nem roque e que ainda hoje têm reflexos altamente negativos que se sentem sobretudo na Península de Setúbal tendo em conta o temor que existe em investir nessa região em consequência das difíceis, quase impossíveis, relações dos empresários com o PCP e no mais que justo mal estar resultante de estatizações sem pagamento aos empresários da sua propriedade.
Na verdade, houve mais que tempo, mais que oportunidade, para se constatar com a documentação na mão, de quaisquer ilegalidades cometidas e de penalizar quem de direito por essas ilegalidades, o que não foi feito, ao mesmo tempo que o Estado, apoderando-se da posse de muitas Unidades económicas, a preço zero, ainda por cima, se mostrou um desastroso gestor!
Defendemos na altura a tese do Menos Estado, Melhor Estado, seguindo as ideias de Jaime Gama, entre outros, precisamente porque urgia libertar a Esquerda deste preconceito estatista que a dominava, a toda ela.
Continuo a achar que o mais grave erro da Esquerda, toda ela, do MRPP ao PS, foi o nunca ter sido capaz de criar uma economia social sustentável, alternativa à economia capitalista e rentista, dominante em Portugal, tendo deixado que essa função fosse tomada pela Igreja Católica que a cumpre, claro, com a sua ideologia caritativista, não era de esperar como é evidente, outra coisa.
Não tendo criado uma economia social sustentável, a Esquerda só tem vindo a perder apoio social e a tornar-se cada vez mais dependente do apoio privatista, limitando-a, (veja-se a idade média dos quadros da CGTP e seus Sindicatos, ou da UGT e seus Sindicatos, veja-se como os movimentos sociais em Portugal não existem), e subvertendo os seus pontos de vista, claro.
De facto, o Estado Social em nada beneficiou a Esquerda portuguesa, nem os membros, individuais, da mesma, pelo contrario tornou-a dependente dos privados e das benesses desse Estado e tão somente.
Curiosamente, e em contrapartida, foi o “Estado Social” que potenciou a alguma sustentabilidade da economia baseada nos baixíssimos salários portugueses, portanto em um mercado interno quase inexistente, e, por essa via sustentando a recriação da economia de mercado em Portugal, com o reforços dos apoios do Estado dados às Pessoas por via de uma Saúde Publica tendencialmente gratuita, de um Ensino Público tendencialmente gratuito, de uma Habitação “Social” apoiada pelo Estado, Central e Local, e de Transportes Públicos a reduzido preço.
(E digo-te, claro que entendo que a Saúde e o Ensino devam atender ás opções de vida de cada um e, por isso, não possam ser na totalidade públicas.)
Economia pública que foi fortemente reforçada com os financiamentos da CEE/União Europeia, vindos de outro conjunto de Estados Sociais…
Tal permitiu o parque automóvel existente, as vias de locomoção existentes, a construção de habitação em massa na linha de uma habitação própria a cada família, (travando fortemente a mobilidade das Pessoas), os Centros de Distribuição de bens em massa existentes e o reforço do sistema bancário privado existente, a par do sistema segurador, etc.!
E, com um Mercado Interno reforçado, apesar das destruições massivas de unidades económicas nas Pescas, na Agricultura e mesmo na Indústria, o país sem Império suportou-se sem no entanto desenvolver uma economia Sustentável, mas sim baseada em endividamento, publico e privado, crescente.
E não meu caro não foi um erro.
Podia-se ter gerido melhor, com mais parcimónia, alimentando menos a ideia de uma habitação para cada Família, alimentando menos o consumismo sem regra, gerindo mais adequadamente a captação das Receitas do Estado e as Despesas do Estado, impedindo que ao muito grandes Centros de Distribuição fossem taxados como se fossem uma mera mercearia, o que gerou dois dos três Mais Ricos de Portugal e pouco mais, etc…
O problema esteve sobretudo na má gestão, sem duvida praticada por todos os partidos do Arco Parlamentar, que são os partidos do Arco Regional e Local diga-se, mas esteve e está sobretudo no facto da economia globalizada, nesta sua IV Globalização, em consequência da livre circulação da moeda não ser acompanhada, ao mesmo nível, pela livre circulação de Pessoas e Bens e pelo controlo das lógicas monopolistas geradas pela livre circulação da moeda, estar a tender para a tese do empobrecimento das Pessoas em geral, o enfraquecimento dos Estados, (e os Democráticos em particular) e portanto para a criação de lógicas contra a economia de mercado e a Democracia!
Eu, cooperativista, defensor de uma Economia Social dominante, no seio de uma economia de mercado, concorrencial portanto, mas controlada pelo interesse das comunidades, eu anti estatista, vendo o percurso que estamos a seguir meu caro Henrique Monteiro, uma coisa garanto antes o Estado Social que o Medievalismo sem Estado que as Agencias de Notação e os seus patrões na alta finança defendem!
Eis porque tiro o chapéu a Van Zeller!
Eis porque, estando na oposição, aceito este aumento dos impostos em alternativa aos despedimentos na Administração Central e Local e á radical destruição do SNS e do Ensino Público e porque, face à Crise, continuo a defender um Governo de Unidade Nacional e não de Família política.
E eis porque, a ti, não tiro o chapéu!
Joffre Justino
(Director Pedagógico)