Alguém escreveu no Twitter que ligamos pouco à corrupção e ao nepotismo, não nos afligimos com a demagogia e com a propaganda, contemporizamos com a incompetência, vivemos bem com as aldrabices e temos tendência a desculpar malfeitorias. Mas os brandos costumes alteram-se e o país entra em transe quando se começa a discutir a ação dos árbitros e os disparates que fazem – e que parecem mais importantes, pelo alarido, do que as desgraças de todos os dias.
Habituei-me a ver futebol com os erros da arbitragem e aprendi que os prejudicados de hoje são os beneficiados de amanhã, pelo que não acredito em “sistemas”, nem em teorias da conspiração. Indiscutível é que temos um problema. Perante a indiferença do poder político e da real inexistência do secretário de Estado, os clubes criam os regulamentos que lhes convêm, são juízes em causa própria e punem-se com castigos ridículos sem qualquer efeito dissuasor.
O resultado é a bagunça em que vive o futebol português, com dirigentes, treinadores e jogadores a fazerem dos árbitros os bodes expiatórios dos seus fracassos, emitindo, dos bancos técnicos aos média, o ruído ensurdecedor que disfarça a sua inépcia, e encenando o triste espetáculo da pressão constante, e mesmo brutal, que descarrega nos homens do apito as emoções primárias dos adeptos e o ódio dos descerebrados.
É evidente que atravessamos uma fase horrível da arbitragem, com exibições, no campo e no VAR – onde tudo é menos desculpável –, de péssima qualidade, o que imporia, num país normal, uma limpeza de alto a baixo. Só que uma coisa é ser inábil e ter de ouvir as críticas a um trabalho pouco qualificado e outra são os ataques ao caráter e ao bom nome das pessoas – e isso é intolerável.
Da sua incompetência, têm menos culpa os árbitros e mais quem os escolhe, forma, dirige e vai tolerando as asneiras. Mas ou eles compreendem que ninguém está interessado em defendê-los – nem sequer em travar uma eventual escalada de violência sobre si e os que lhes são próximos, o que é gravíssimo – e tomam medidas drásticas de autodefesa, dizendo basta e encostando quem manda à parede – sim, sem árbitros não há jogos – ou vão continuar a ser triturados bem para lá dos limites do aceitável. Pior do que ser incompetente é não ter coragem. E pior que ser medroso é ser burro.
O FC Porto, a sete pontos do Sporting, que podem ser dez esta noite, recebe depois de amanhã a Juventus, que está a oito do líder, o Inter. Duas equipas fora de forma e fisicamente fragilizadas em busca da redenção… O embate “fratricida” entre Cristiano e Pepe valeria sempre o preço do bilhete, se bilhetes houvesse.
Ver no Eurosport a Taça do Mundo de Biatlo e agora o Mundial – que decorre, na Eslovénia, até domingo – com atletas fantásticos, paisagens soberbas e os excelentes comentários de Luís Lopes, é uma sugestão que lhes faço para ocupar aqueles períodos de confinamento em que a bola não rola e a alienação nos dá tréguas.
O parágrafo final é desta feita dedicado às três referências que perdi nos últimos dias. Duas eram músicos de eleição em áreas tão diferentes como o fado e o jazz: refiro-me a Joel Pina e a Chick Corea, lendas cujas carreiras acompanhei com emoção e carinho. A outra era o meu amigo Loio, um futebolista precioso – um extremo-esquerdo à antiga – que fez as delícias dos meus verdes anos em Canas de Senhorim. À sua mulher e aos filhos, com quem tão de perto privei, aqui deixo uma doce recordação e o meu sentimento de profundo pesar.
Outra vez segunda-feira, Record, 15fev21
Nota – O meu amigo Fernando Barata explicou-me, já depois desta publicação, ter havido uma confusão de apelidos, pelo que o Loio que morreu agora… era outro. O meu Lóio, o nosso, já partira há quatro anos, sem que o tivéssemos sabido, pois há muito deixara Canas de Senhorim e se radicara em Aveiro. Também a mulher, Lena Loio, nos deixou entretanto. De qualquer modo, ficou feita, tarde é verdade, a minha homenagem a esses meus velhos e inesquecíveis amigos. DEP