Alexandre Pais

A verdade sobre Marcelino da Mata

A

O escritor e jornalista José Manuel Saraiva publicou, no Facebook, um texto sobre os disparates que se vão lendo por altura do desaparecimento do tenente-coronel Marcelino da Mata. Aqui o reproduzo, com a devida vénia e estima pelo autor.

MARCELINO DA MATA: ANTES DE DESCER À TERRA

Vai amanhã a enterrar o capitão (graduado em tenente-coronel) Marcelino da Mata.
Marcelino da Mata, soldado que combateu ao longo de muitos anos nas matas de Guiné, merece, apesar de muitos episódios que marcaram o seu desbragado comportamento nos campos de luta, o nosso respeito.
Dito isto, e ao contrário do que tenho lido, inclusive do Comandante Supremo das Forças Armadas e do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (em comunicados), Marcelino da Mata não é o militar mais condecorado e louvado pelo Estado Português.
Outros houve – como o major-general paraquedista Ramos Lousada (talvez, esse sim, o mais condecorado de todos), ou o general Almeida Bruno, do Exército, ou o comandante Alpoim Calvão, da Marinha, ou o comandante fuzileiro naval Rebordão de Brito, ou o coronel Lobato Faria, dos Comandos, ou os generais Heitor Almendra, paraquedista, e Diogo Neto, piloto-aviador, e outros cujos nomes não recordo neste momento – que foram mais condecorados do que Marcelino da Mata.
É verdade que Marcelino da Mata tem, como nenhum outro, 5 medalhas “Cruz de Guerra” de todas as classes, mas não é, nem por sombras, o mais “medalhado” de todos os combatentes por feitos em combate e/ou capacidades de comando. E, no entanto, alguns destes oficiais, infelizmente já desaparecidos, não tiveram as honrarias públicas que se pretende atribuir a Marcelino da Mata.
Marcelino da Mata obteve sempre do Estado Português, desde o fim do PREC principalmente, a melhor das atenções e os cuidados devidos a um antigo combatente. Senão vejamos: MdM foi incorporado no Exército Português como soldado raso em 1964; mais tarde foi promovido a 1º. cabo, não muito tempo depois a segundo-sargento, mais tarde a alferes, e, mais tarde ainda, a capitão. Em 1980 foi graduado em tenente-coronel. À data da sua morte, MdM estava a receber o vencimento de capitão na reforma (não sei a que escalão ele pertencia), mas partindo do princípio de que estava no 5º escalão, tal corresponde a cerca de 2.400 euros mensais, cumulativos, de resto, com outra verba de valor igual à do ordenado mínimo nacional, por “serviços extraordinários e relevantes prestados à Pátria”, e uma pensão vitalícia por ser detentor da “Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito” (atenção que nesta condecoração há vários graus de importância) da ordem dos 1.200/1.400 euros. Ou seja, MdM recebia mais de 4.000 euros mensais, o que em Portugal é uma reforma significativa, superior, de resto, à de um general de quatro estrelas na reforma…
Mas adiante.
Ao contrário do que muita gente pensa, Marcelino da Mata foi sempre considerado pelo Estado pelo seu desempenho em combate. Portanto, é injusto dizer-se que MdM foi desprezado ou anatemisado pelo Estado Português. Ele teve tudo a que tinha direito, mais até do que a maioria dos seus pares! Foi elevado de soldado ao posto de capitão (embora tivesse apenas a quarta classe, se é que a tinha…), graduado, imagine-se (!), em tenente- coronel, e sempre beneficiou, como qualquer outro oficial, dos serviços médicos do Hospital das Forças Armadas.
Tristemente me apercebo cada vez mais de que, para muitos, o que é preciso é criar mitos. Ainda ontem li numa rede social, um comentário escrito por alguém cujo nome não irei aqui citar, que quando MdM ia para a mata com o seu grupo de combate levava sempre um “corneteiro” (na tropa não há “corneteiros”, mas clarins) para chamar a atenção dos guerrilheiros, de modo a atacá-los sempre de frente e nunca pelas costas. Uma tonteria! Só quem não tenha a menor noção do o que é uma guerra pode afirmar semelhante enormidade, pior ainda tratando-se de uma guerra de guerrilha. É preciso não ter um dedo de testa para se imaginar um disparate destes.
Li ainda, noutro texto, que MdM vagueava por todo o território da Guiné – só ele e o seu grupo de combate – à cata de guerrilheiros do PAIGC para os abater, como se um soldado não obedecesse a regras e às ordens de um Comando superior. Nem na “guerra do Solnado” ou nos filmes de ficção… Mas tudo bem! O que é preciso, para certas criaturas, é alimentar mitos e lançá-las como sementes à terra (vá lá saber-se porquê…)
Enfim, basta pois de tantas palermices, inverdades e propositadas invenções sobre o papel deste antigo combatente na Guiné.
Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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