Uma das coisas que me desgosta na próxima época do Real Madrid é que Pepe já não estará lá. Deixou o clube ao fim de uma década gloriosa em que conquistou tudo – até o coração dos adeptos. E se foi difícil alcançar esse estatuto de privilégio tão raro em Chamartín! Os meses iniciais foram atribulados e prolongaram-se, com o jogador preocupado em confirmar a sua fama de duro e a assumir atitudes antidesportivas que lançaram a desconfiança nas bancadas e fizeram dele um mal-amado.
Mas Pepe não tardou em amadurecer e logo compreendeu o grau de exigência – muito para além da dimensão futebolística – a que se encontrava sujeito. E passou a recorrer apenas à velocidade, ao posicionamento, à capacidade técnica, à concentração e a uma entrega total, solidária e cativante, para se afirmar em campo e fora dele. Quando um companheiro marcava um golo, o primeiro a aparecer para o saudar era quase sempre Pepe. Defendia o emblema enquanto outros se calavam e até se colocou contra José Mourinho para defender Casillas. Chegou a terceiro capitão do Real, apenas atrás de Sergio Ramos e Marcelo, mais antigos no uso da camisa “blanca”.
Em tempo de renovação de contrato, o Real não se portou bem com ele. Aos 34 anos, queria assinar por duas temporadas, como merecia, e Florentino ofereceu-lhe uma. Pepe não aceitou e fez mal, pois continuando o seu rendimento ao nível a que obriga o futebol dos madridistas, não lhe seria difícil, dentro de um ano, voltar a renovar – caso a morosidade em recuperar das lesões não se agravasse.
Por isso se compreende a recusa da entidade patronal em alargar o compromisso por mais duas épocas. Porque se a qualidade do jogo de Pepe se mantém, os problemas físicos atormentam-no hoje mais, como o afastamento da partida com a Letónia acabou de confirmar. Depois de ser campeão europeu com a Seleção, e tendo rubricado um campeonato de sonho, esperava-se mais um ano de alto rendimento, o que não aconteceu: atuou somente em 18 partidas no RM e passou dias sem fim longe dos treinos e a tratar de “moléstias”.
Consumado o divórcio, o que custa ainda mais a entender é o suicídio do central como referência do Real. Ao dar entrevistas a criticar o presidente e o treinador, Pepe desistiu de ser outro Fernando Hierro, perdeu a face com que um dia regressaria como ídolo da “afición”. A mesma que o ovacionou de pé, há dois meses, ao sair lesionado após ter marcado um grande golo ao Atlético – na verdade, a sua despedida antecipada do Bernabéu. Quem terá aconselhado Pepe a destruir a imagem de marca, aquela em que beijava, com paixão, o escudo do Real Madrid? O que leva um homem a renunciar à própria lenda?
Outra vez segunda-feira, Record, 12JUN17
Pepe cometeu suicídio, quem o terá aconselhado?
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