O boicote generalizado às equipas e atletas russos nas diversas modalidades encontra a sua maior exceção no ténis, logo uma das atividades desportivas mais mediáticas. Com Daniil Medvedev acabado de chegar a número 1 do ‘ranking’ ATP, a sua eventual ausência de Roland Garros e de Wimbledon constituiria um golpe tão rude no negócio, que aos responsáveis da Federação Internacional de Ténis (ITF) falta a coragem para tomar a decisão de o afastar.
Medvedev, aliás, não só nunca condenou a invasão da Ucrânia, o que prejudicaria os seus interesses na Rússia, como nem sequer esboçou um discreto ‘stop the war’, essa expressão conveniente e ambígua, que tanto significa que se deseja que o invasor pare com a agressão como que o invadido se renda. Para a ITF, basta que o tenista aceite a ‘censura’ à bandeira natal e fica tudo em harmonia.
Mas vou mais longe do que o politicamente correto e manifesto a minha reserva quanto à aplicação cega das medidas de isolamento, em especial no que respeita à presença de protagonistas russos que, em boa verdade, se representam a si próprios, seja no campo desportivo, cultural ou outro. Parece-me absurdo que um profissional qualificado perca o seu trabalho só pelo facto de ter nascido russo. E à luz dessa lógica não se deveria aceitar como natural a participação de Medvedev nas competições? Apetece-me dizer que sim, apesar de saber que o seu afastamento dos torneios de Paris e de Londres teria um impacto tão forte que Putin merecia senti-lo.
Sim, Putin é o problema. E não vou entrar na retórica que o levou a optar pela guerra porque, resumindo a questão, o que se passa agora é isto: se ele resolver, imagine-se, bombardear a Polónia – alegando, por exemplo, que lá se acoitam paramilitares neonazis, como os do Batalhão de Azov – o resultado será a Terceira Guerra Mundial, que fará do conflito da Ucrânia uma sessão de treino.
Sim, eu sei que se pode concluir, pela avaliação do desastroso desempenho russo destes 18 dias, que o confronto com as forças da NATO acabaria com o regime de Moscovo. O que não terminaria tão cedo seriam os efeitos devastadores, económicos e sociais, de uma tragédia que aumentaria ainda se houvesse – e dificilmente não haveria – recurso a armas nucleares. E é isso que queremos? Que a loucura dos ‘corajosos’ destrua o Planeta?
E quando me refiro a ‘corajosos’ não estou apenas a pensar nos ‘senhores da guerra’. Conto também com a ‘coragem’ dos bem-postos na vida, que defendem princípios muito bonitos e que todos podemos partilhar. O pior é o resto. Perguntava Pep Guardiola: “Onde está a NATO? Onde estão os Estados Unidos? Onde está a União Europeia?” Ou dizia Jürgen Klopp: “Está na hora de demonstrar solidariedade, verdadeira solidariedade [com o povo ucraniano]”. Ora, ter mais solidariedade do que tem havido é meter a NATO ao barulho e arrastar a Humanidade para o apocalipse. Estamos indefesos e nas mãos de um psicopata, à deriva num mundo de bem-falantes e doidos varridos.
Último parágrafo para o grande golo – mais um! – com que Bebé travou o Sevilha. Que carreira extraordinária poderia ter tido!
Outra vez segunda-feira, Record, 14mar22