Com o Sporting em ebulição eleitoral e Sousa Cintra a recolher elogios pelo seu trabalho à frente da SAD, recupero hoje parte da entrevista do empresário ao jornalista Neves de Sousa (revista “Élan”, março de 1990). Cintra explica, ao pormenor, os avanços e recuos que o levaram à presidência do Sporting, em julho de 1989. Ei-lo em discurso direto e igual a si próprio.
Ontem sim, hoje não. Há uns anos, um colega vosso que foi dirigente do Sporting, o Jaime Lopes, veio ter comigo para ver se eu queria ser presidente do Sporting. Eu não tinha nem idade, nem categoria para ser presidente. (…) Num dia em que estou com o dr. Dias da Cunha, digo-lhe que ele é que devia ser presidente do Sporting. Respondeu-me que a vida dele não dava para isso, mas falou num tipo bom para esse lugar, o dr. Carlos Monjardino. Fui eu que tomei a iniciativa de ligar ao Carlos Monjardino para avançar. Ele lá arranjou a sua equipa, arrancou e depois… voltou para trás. Numa reunião na Fundação Oriente, estavam lá os gajos todos, o António Simões [empresário do Brás & Brás], o Jaime Duarte, aquela gente toda. Eu era apenas um sportinguista que apoiava a candidatura do Monjardino. Tudo indicava que ia ser ele, mas o Monjardino foi um balde de água fria. Disse que não podia porque os estatutos da Fundação não lhe permitiam, mas que estava naquela sala uma pessoa que ele indicava para presidente do Sporting, que era o sr. Jaime Duarte. Levantou-se logo um tal dr. Calheiros [Francisco “Xis” Calheiros, pai do atual presidente da Confederação do Turismo], que discursou logo ali. O dr. Dias Ferreira também. O sr. Jaime Duarte, às tantas, armou-se em caro e disse: “Bom, meus amigos (…) quero dizer-lhes que ontem tinha dito que sim, que queria ser presidente (…), mas fui para casa, falei com a minha mulher, com os meus filhos, com os meus empregados, e eles aconselham-me a não me meter nisto. Tenho muita pena, agradeço mas não posso”.
Na próxima segunda-feira: Não há mais ninguém?
Pelo arranque da época se vê que tempos terríveis esperam o futebol português. A final da Supertaça de normal só teve a justiça do triunfo do FC Porto, já que a nomeação de um árbitro sem categoria – o mesmo que expulsou Danilo por o ter pisado de forma claramente fortuita… e de costas – foi o rastilho para uma agitação estúpida que abriu a porta a um novo ano de polémicas. Ainda que o apitador tenha errado, menos do que se diz e mais do que devia, foi inadmissível o modo como se comportou o banco portista e uma vergonha o desvario de Sérgio Conceição – que nem com a conquista do título se acalmou. A imagem do treinador, de rosto desfigurado e completamente fora de si, vociferando na cara do árbitro – que o “Correio da Manhã” publicou ontem na primeira página – diz tudo sobre o estado de libertinagem a que chegámos. Enquanto os dirigentes da Federação e da Liga se ocuparem, antes de mais, de proteger os seus lugares, e atitudes destas não forem severamente punidas – com meses de suspensão em vez de dias e muitos, muitos milhares de euros em vez de trocos – iremos continuar a viver no reino da violência e da impunidade, e a pressionar os árbitros de maneira grotesca. E esse é o caminho para que as pessoas de bem se vão afastando da arbitragem e só lá fiquem os anormais.
Outra vez segunda-feira, Record, 6AGO18
O vazio que levou Sousa Cintra à presidência
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