O jornalista com quem trabalhei e que vi ser mais maltratado pelo diretor à frente de todos era, curiosamente, chefe de redação. “És uma anedota, Joaquim. Este jornal está uma m…, andas aos papéis e não mandas nada. Já te expliquei como é mas deves ser tão burro que não percebes”. Joaquim (nome fictício) baixava o olhar e abanava a cabeça em sinal de concordância. Um dia, perguntei-lhe como conseguia suportar tanta humilhação. E ele explicou-me: “Tudo depende da cabeça, é uma questão de determinação. Preciso de trabalhar e ele, como é maluco, pode dizer o que lhe vier à cabeça porque a minha inteligência será sempre mais forte que a minha revolta”. Tinha razão nesse ponto, a determinação é a qualidade-chave para travar as batalhas da vida.
Basta ver o que se passa em Portugal, com a soma de gente obstinada, perseverante, estúpida ou iluminada mas empenhada em chegar ao fim de um caminho que não se avista. O fim por parecer longínquo e o caminho por poder não ir dar a lugar nenhum.
Desde logo, destaca-se o primeiro-ministro, um poço de autoconvencimento, um homem tomado por uma teimosia de betão. Tem resistido a todos os ataques, a todos os protestos, a todos os insultos e calúnias, e alguns indicadores apontam para que a razão esteja, talvez, do seu lado. A seguir, vem o líder do principal partido da oposição – o tal político fraco que os opiniáticos catedráticos garantiam não ir longe – que vai consolidando a candidatura a S. Bento com a ilusão do visionário que se adianta às certezas que o tempo alterará. Um objetivo fácil se vier aí o segundo resgate, mais difícil se a troika se for e a austeridade ficar – e vai ficar – mas mesmo assim ao seu alcance tão fartos os eleitores estarão deste Governo e da pobreza crescente com que lhes destrói a esperança e o futuro.
A verdadeira determinação, aquela que admiro, me surpreende e simultaneamente me empolga reside, no entanto, nas pessoas. Nos empresários, muitos deles a lutar com enormes dificuldades, que continuam a investir no País, ou nos trabalhadores, milhares e milhares com o cutelo do desemprego sobre as cabeças, que encontram coragem, a cada manhã, para desempenhar as suas tarefas com sentido do dever e o entusiasmo do primeiro dia.
Mas existe ainda outra determinação, a heróica, a quase impossível, que nos emociona e incentiva. A daqueles portugueses – e são tantos, demasiados – que conseguem com pouco fazer muito. Quero até, neste final de ano, prestar homenagem às fazedoras de milagres, às mulheres que gerem os recursos familiares que sobram do confisco do Estado de forma a que as crianças não faltem à escola e a comida chegue à mesa. Feliz 2014, amigas.
Observador, Sábado, 31DEZ13
O milagre está na mesa
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