Alexandre Pais

O dia em que podíamos ter morto Jaime Gama

O

A excelente reportagem que Vera Moura fez para a SÁBADO, como concorrente do programa Ídolos, da SIC, mantém viva a velha tradição portuguesa do jornalista infiltrado pelos melhores motivos, no caso o de mostrar aos leitores como funcionam os bastidores do que é ou pode vir a ser notícia.

Aqui ao lado, esse trabalho faz-me recuar ao início dos anos 90, curiosamente para recordar outra revista Sábado, a da PEI, Projecto de Estudos e Investimento, liderada por Pedro Santana Lopes. Aí se publicou uma quase inacreditável reportagem, que revelava como o titular da pasta de um ministério inexistente percorreu o Norte do País, acompanhado dos respectivos assessores, e foi recebido por autarcas – em audiências previamente marcadas! – com toda a pompa e circunstância. Os carros da comitiva nem portagens pagavam nas auto-estradas, onde eram reconhecidos como veículos do Estado.

A atracção jornalística por estes textos de entretenimento, que contam verdades escondidas e nos aproximam da realidade, teve no desaparecido Tal&Qual a sua musa inspiradora. Ainda guardo na memória a imagem, igualmente da primeira metade da década de 90, do então repórter Manuel Catarino, sentado nas bancadas da Assembleia da República, como deputado da Nação, lado a lado com as figuras políticas da época. Não fosse a perspicácia de Conceição Monteiro, parlamentar do PSD e antiga secretária de Sá Carneiro, e o jornalista ficaria em S. Bento até ao fim da legislatura…

Senti também necessidade, em 2001, quando dirigi o semanário fundado por Joaquim Letria – que herdei já em plena queda mas que viria a ganhar fôlego para oito anos –, de puxar pela cabeça e de inventar reportagens que pudessem surpreender os leitores, um dos segredos editoriais mais utilizados em todo o Mundo e que a imprensa portuguesa hoje ignora, com algum desdém – e com os catastróficos resultados de vendas ultimamente divulgados.

A primeira fez-se com uma pseudo-Brigada de Trânsito que foi para a Expo mandar parar os camionistas. Depois fomos à aldeia da Estrela, comprar terrenos junto ao Alqueva, rebuscámos os caixotes do lixo dos supermercados, fizemos de doentes e avaliámos as urgências hospitalares, desviámos um avião e sobrevoámos a NATO, em Oeiras, pusemos jornalistas a fazer de meninas numa casa de passe e chegámos mesmo ao gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, disfarçados de técnicos de ar condicionado.

A seguir apareceu o Google, instalou-se de vez o jornalismo de rabo sentado, deu-se o maná da moda dos famosos. Resta a SÁBADO, o CM e poucos títulos mais para que a matéria publicada não seja uma verdadeira chatice.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 9 setembro 2010

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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