RECORD – Magriços em 1966, a geração dourada do Euro’2000 ou a Seleção de Scolari, em 2004? Qual a melhor? ALEXANDRE PAIS – Não podemos comparar equipas e jogadores que viveram em épocas diferentes e que tiveram treinamentos diferentes. Não sei se o José Travassos, que ainda vi jogar e que era enorme, seria uma estrela nos nossos dias. Como não sei se o Cristiano Ronaldo, sem um Aurélio Pereira, e a ter de jogar na terra batida dos campos do Lumiar ou das Amoreiras de há 60 anos, passaria da cepa torta que caracterizava então Portugal e os portugueses. RECORD – Chegou a ter uma visão romântica do jornalismo. Onde e como a perdeu? AP – Perdia-a quando uma manhã cheguei ao “Diário de Lisboa” e me disseram que estava despedido. Trabalhava como um cão e compreendi aí que a vida não é justa, e que a profissão de romântica não tem nada. RECORD – O que fez, então? AP – Parei para pensar no que teria errado, corrigi o posicionamento e aceitei jogar o jogo. E jurei que sobreviveria. Três meses depois, com a ajuda do Luís Sttau Monteiro, que fazia o suplemento “A Mosca” e cuja equipa integrei, e do Neves de Sousa, voltei ao “Diário de Lisboa” e fiquei lá quatro anos. Entrei como estagiário e saí como coordenador da secção de Cultura e Espetáculos. RECORD – Passou pela política, pelo espetáculo e pelo desporto: qual desses meios é o mais difícil? AP – É verdade, participei nessas três atividades e mais tarde trabalhei nas mesmas áreas como jornalista. Tenho muitas saudades do meu tempo no Conservatório, do Mário Viegas e do trabalho no teatro. Já a passagem pela política foi abominável, conheci um partido por dentro, fui delegado a congressos, vi como todos se odiavam, e como as convicções e as pessoas sérias eram sempre prejudicadas pelos interesses e pelo compadrio. Regressei em boa hora ao desporto. É um bom sítio. RECORD – Que recordações guarda dos seus tempos de atleta? AP – Ótimas. Fiz atletismo, natação e ciclismo, joguei andebol e ténis. Fui campeão distrital de voleibol, em vanguardistas A e em cadetes, nos campeonatos da Mocidade Portuguesa. Depois fui campeão de Lisboa e vice-campeão nacional, pelo Nacional de Ginástica, e internacional, em juniores. Como sénior, joguei no Belenenses, mas desisti cedo porque gostava muito de jogar e pouco de treinar. Nunca consegui, como atleta, os hábitos de disciplina que ganhei na vida. Hoje arrependo-me, podia ter ido mais longe. RECORD – E o futebol? AP – Era o que eu mais gostava de jogar, tinha algum jeito, mas o meu pai, que adorava futebol e começou a levar-me aos 4 anos para as Salésias, só queria ouvir falar em estudos e não ajudava nada. Vinguei-me depois no futebol de salão, que joguei até aos 55 anos. Parei quando vi um rapaz da minha incorporação com uma fratura exposta. Tudo tem um tempo. RECORD – Acha-se um homem do nosso tempo ou… à frente do tempo? AP – Tenho dias. Tento, isso sim, não ser saudosista. O passado só vale pelas lições que nos deu e que podem melhorar o nosso futuro e o da nossa família, ou o êxito dos nossos projetos. Por vezes, sou visionário, é verdade, mas não sei se isso é bom ou mau, já me espalhei algumas vezes… RECORD – O seu futebol é o do cachecol e da paixão ou o das transições e das basculações? AP – É só o futebol dos artistas e das emoções. Detesto efabulações técnico-táticas e divirto-me imenso quando vejo alguns pseudo-especialistas televisivos a tecer complexas considerações. Até à frente de treinadores de prestígio… que devem ficar mortos de riso por dentro! RECORD – Por que razão revelou a sua simpatia pelo Belenenses? AP – Porque é uma ligação visceral, não adiantava escondê-la. Sou sócio dos mais antigos, fui atleta, e diretor do jornal do clube durante quatro anos. Mesmo assim, basta correr a blogosfera para se ver como sou apelidado, ora de feroz benfiquista, ora de perigoso sportinguista, conforme convém ao paciente que se queixa… RECORD – O Belenenses chegou a estar junto dos três grandes. Por tudo o que vai acontecendo à nossa volta, será pertinente perguntar: o que sucedeu aos azuis pode acontecer, num futuro nada distante, a outros importantes emblemas nacionais? AP – Receio esse dia, que nos fará ver uma realidade diferente daquela a que estamos habituados. Mas isso só acontecerá se os sócios entregarem as lideranças a incapazes, que vão metendo mais pregos no caixão. O Belenenses, se tem tido juízo, estaria agora como o Sp. Braga. Mas pelo clube passaram alguns mentecaptos que tudo arrasaram. Espero que Viana de Carvalho consiga, ao menos, começar a dar a volta à calamidade dos últimos dois anos. O caso do relatório roubado e as respetivas consequências RECORD – Qual foi a sua maior vitória profissional antes de chegar ao Record? AP – É uma longa história. Fui o primeiro chefe de redação do “24 Horas”, no início de 1998. Depois emprateleiraram-me e foram buscar-me de novo para a chefia, no final do Verão de 2000, quando as vendas subiram de 15 mil para 25 mil exemplares/dia, cavalgando o fenómeno do “Big Brother” e do marketing. Mas no início de 2001, com a mudança de proprietário, voltaram a afastar-me para poderem “brincar” à vontade. Aí chateei-me a sério e, com a ajuda do António Sousa Duarte, fui à procura de quem mandava. Fiz um relatório sobre o estado a que chegara o jornal, mas esse relatório foi roubado da pasta do administrador e, com a sua divulgação, tentaram despedir-me. Hoje, agradeço-lhes porque isso irritou a pessoa a quem era dirigido o documento, que não era de engolir afrontas e se sentiu violentada. O Conselho de Redação, a que pertenciam então o Bernardo Ribeiro e o Nuno Perestrelo, que está hoje em “A Bola”, ajudaram a suster a investida e, em fevereiro, eu já estava na Madeira a reorganizar um jornal da Lusomundo. Em março, era diretor do “Tal&Qual”, que já ia nos 30 mil exemplares e terminaria o ano com média de 40 mil e várias edições acima dos 50 mil. E em novembro era diretor do “24 Horas”, que no ano seguinte duplicaria as vendas. No início de 2003, passei para o Record e, quando deixei o “24”, no dia 10 de Fevereiro, cheguei à porta e olhei para trás: já não restava um único dos espertinhos que dois anos antes me tinham afastado. Gozaram só uns meses. Abençoado relatório que roubaram da pasta do Alberto do Rosário… A convergência das redações é tranquila RECORD- Que estratégia deve ser seguida para manter os jornais/papel na primeira linha do negócio, quando se verifica que a Internet continua a ganhar força e influência, sobretudo entre as novas gerações? AP – O Record, como sabem, tem uma estratégia. Outros têm outras e só no fim veremos quem seguiu a mais adequada. Mas parece-me bem possível que o mercado dos “desportivos”, que valia, em 2000, quase 250 mil exemplares/dia e hoje pouco mais terá do que 150 mil, só venha a comportar dois títulos. E um dia terá apenas um. Nas edições online, e nas das plataformas que se vão multiplicando, o panorama poderá ser diferente, já que é aí que se concentram os interesses e se criam os hábitos dos leitores jovens. Mas esse mundo é ainda o do desconhecido. RECORD- Quando acha que pode dar-se o encontro na “curva” sabendo-se que o papel continua a descer ao ritmo que o online sobe? AP – Talvez o futuro passe pelos conteúdos pagos se o futuro passar também pela especialização e pela formação de opinião. Porque para a informação normalizada há milhões de jornalistas-google a copiarem uns pelos outros. Mas julgo que o papel irá resistir pelo menos enquanto resistir o prazer lúdico da esplanada, do café e do desfolhar do papel. Carregar em botões não é a mesma coisa. RECORD – A convergência das redações das publicações em papel com as redações dos meios online é um modelo de organização sonhado há mais de 20 anos, mas cuja concretização tem sido sucessivamente falhada. Porquê? AP – Porque os joões semana da profissão julgavam que o negócio seria por cada plataforma criada mais uns cêntimos a cair no salário. Não são jornalistas, são empregados de escritório. No Record essa convergência está a fazer-se tranquilamente e até podíamos avançar mais depressa se os recursos fossem ilimitados. Mas muito do que se conseguiu aconteceu pelo exemplo da nova fornada de jornalistas, que segue no TGV e vislumbra, sentados nos apeadeiros da vida, os que teimam em ficar para trás. Rápidas & Curtas RECORD – Que figuras desportivas mais o marcaram? AP – Matateu e Alves Barbosa. Cresci num tempo difícil e eles davam-me alegrias. RECORD – Acontecimento desportivo que nunca esquecerá? AP – A conquista da Taça de Portugal, em 1960, com o Belenenses a ganhar ao Sporting, no Jamor. “Ajudei” o Matateu a levantar a perna e a chutar para o 2-1. Custou! RECORD – Os três maiores atletas portugueses? AP – Carlos Lopes, Joaquim Agostinho e Fernanda Ribeiro. RECORD – E mundiais? AP – Lance Armstrong, Carl Lewis e Michael Jordan. RECORD – Eusébio, Figo ou CR? AP – Eusébio, Figo, Cristiano e… Matateu. RECORD – E os três maiores futebolistas estrangeiros? AP – Di Stefano, Pelé e Garrincha, o inacreditável Mané das pernas tortas. RECORD – Pelé ou Maradona? AP – Pelé, sem qualquer dúvida. RECORD – Futebol à parte, que modalidades o fazem ficar em frente à TV? AP – O Tour e o Grand Slam, sempre. E os Jogos Olímpicos e alguns Mundiais, claro. RECORD – Se escrevesse um livro, que título que lhe daria? AP – “50 anos a aturar malucos”, ficção totalmente baseada em factos e com uma forte vertente autobiográfica. RECORD – Qual o filme da sua vida? AP – Não tenho. Gosto especialmente de Ford, Spielberg, Forman, Scorsese, Kusturica e Tarantino. Mas já vi milhares de filmes e gostei de tantos… Autores: ARTUR AGOSTINHO, ANTÓNIO MAGALHÃES, ANTÓNIO VARELA, JORGE BARBOSA E SOFIA LOBATO Data: Quinta-Feira, 26 Novembro de 2009 |