Alexandre Pais

Entrevista nos 60 anos de Record (Parte 1)

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RECORD – Qual a primeira coisa que percebeu que tinha de fazer quando chegou ao Record?
ALEXANDRE PAIS – Alterar os conceitos, concentrar a informação e arranjar espaço para fazer a diferença. Depois, tentar modificar mentalidades e intensificar a especialização, reduzir e agilizar os quadros, criar regras e começar a moralizar os salários. Ao mesmo tempo, fazer o trabalho óbvio: controlar os custos, eliminando as despesas desnecessárias para poder aumentar o investimento. E exigir respeito. Quando cá cheguei, havia muita gente a insultar-se, com a proliferação de poderes paralelos que favoreciam o conflito. Agora só discutimos quando discordamos sobre a melhor forma de servir o leitor.

RECORD – Recentemente, o diário italiano “La Gazzetta dello Sport”, que se distinguia por ter uma secção que cobria especificamente as atividades do Papa, passou a reservar três páginas para noticiário extradesporto. O Record pode acentuar a aposta neste caminho?
AP – Poder pode, mas deve ter cuidado. O mercado português está preparado, como se prova, para aceitar a diversidade de conteúdos, até porque muita gente que comprava dois jornais adquire hoje apenas um. Mas como a contenção nos gastos de papel é uma tendência que vai ter de continuar, o leitor pode facilmente pensar, quando vir mais uma matéria generalista, que ela está no lugar de uma informação sobre desporto que não lhe está a ser dada.

RECORD – Angola e África têm sido mercados encarados como investimento de futuro. Uma eventual expansão do Record para os Palop’s é viável a curto prazo?
AP – Só faremos negócios com parceiros credíveis, em termos editoriais e de gestão financeira. Não nos meteremos em participações ridículas de 10% em negócios de que nunca veremos um cêntimo. Pertencemos a um grupo de empresas com cotação em bolsa, não brincamos aos jornais.

RECORD – O que é indispensável continuar a fazer para que Record continue a ser uma referência nacional e também lucrativo?
AP – Manter a identidade, a independência e o rigor. Não ceder a pressões, não perder a face, não ter medo. E melhorar sempre: na forma e no conteúdo, na criatividade e no respeito pelo leitor. Tendo presente tudo isso, se conseguirmos antecipar o futuro, tanto melhor. Descobrir, antes dos outros, o que o mercado vai querer é um desafio permanente.

RECORD – Qual o apelo que os adeptos dos clubes de média dimensão podem hoje encontrar na imprensa desportiva? Não existirá, em relação a eles, um défice de noticiário?
AP – Existirá, mas jornais desportivos com 64 páginas não teremos mais. O “La Gazzetta dello Sport” tem 32 páginas, com 8 ou 9 de publicidade, e está lá tudo. Por cá, existe a mania do jornal pesado, os suplementos e os “plus” que em boa verdade nada acrescentam, um contrassenso numa época em que as pessoas andam apressadas e têm cada vez mais de recorrer aos transportes públicos. Mas o mercado, com as vendas que vamos conhecendo, imporá a sua lei. O emagrecimento das edições é inevitável. E, quanto menos páginas, mais poder de síntese e mais qualidade vão ser necessários. O Record já vive nessa era.

RECORD – Mesmo com campeões mundiais e olímpicos, as denominadas modalidades amadoras continuam a ter um espaço diminuto nos três “desportivos”. Porquê esse domínio tão acentuado do futebol?
AP – Não é o domínio do futebol, é a exigência do mercado. Os diretores que não olham para as vendas e para os resultados do seu jornal duram pouco. Uma medalha de ouro olímpica vende menos que a contratação de um júnior pelo Benfica.

RECORD – Até hoje, qual o momento mais difícil que viveu neste jornal?
AP – A redução, em alguns casos conflitual e dolorosa, do quadro do jornal, que passou dos 150 trabalhadores de 2003 para os atuais 120. Vai contra tudo aquilo em que sempre acreditei mas é o meu trabalho. Ou gerimos bem as empresas ou o que nos espera é mais desemprego.

RECORD – E o que lhe deu mais prazer escrever, desde 2003?
AP – Tudo, habituei-me a escrever até sobre a face oculta da Lua, o que significa escrever muitas vezes banalidades e mesmo algumas asneiras. Mas já fazia jornais de parede aos 14 anos, nos Salesianos, no Estoril, creio que me está no sangue.

RECORD – Qual a manchete de Record que mais gostaria de fazer?
AP – Portugal campeão do Mundo de futebol, obviamente.

RECORD – Acha que existe asfixia democrática no meio desportivo?
AP – Nenhuma, o desporto é como o país. Como ninguém nos manda calar, até porque não conseguiria, a asfixia fica para ser exercida pelos poderosos sobre os mais fracos. Mas isso só acontecerá se nós deixarmos.

RECORD – As SAD’s estão a matar os clubes?
AP – Matam-se primeiro a si próprias, aumentando o endividamento até ao colapso final. Algumas ainda não deram por isso, mas de facto já não existem.

RECORD – Apoia a organização do Mundial ibérico em 2018?
AP – Totalmente. Se vamos ouvir os velhos do Restelo, o país não avança. Se Cavaco Silva não tem mandado construir, contra ventos e marés, o Centro Cultural de Belém, ainda hoje lá estariam os terrenos carregados de lixo.

RECORD – O presidente da FIFA defende que devem ser tomadas medidas para combater aquilo que, no futebol europeu, classifica como “excesso de naturalizações” de futebolistas sul-americanos. Que opinião tem sobre o assunto?
AP – A globalização deve ter limites, as equipas não se podem abastardar sob pena de perderem a identidade e a ligação afetiva aos seus adeptos. Como o abuso aumenta, a legislação terá, forçosamente, de edurecer.

RECORD – Se a FPF tomasse a iniciativa de impedir a inclusão na equipa nacional de futebolistas estrangeiros que tenham adquirido a nacionalidade portuguesa, estaria de acordo com essa decisão?
AP – Quem quiser, adquire, nos termos legais, a nacionalidade portuguesa, o que significa poder jogar na Seleção. Cabe à FPF e ao selecionador seguirem a legislação do bom senso. Dez ou 15 por cento de naturalizados, como temos hoje, parece-me uma boa regra, a medida certa. É preciso impedir o quê?

RECORD – Há quem defenda que, no decurso da mesma época, não deveriam ser permitidos empréstimos de jogadores a clubes do mesmo escalão. Considera que, em determinadas circunstâncias, essa prática pode dar origem a um indesejável clima de suspeição?
AP – Completamente. De suspeições, estamos fartos. Dificultar malabarismos e aldrabices é o trabalho do legislador. Mas ao menos os jogadores ainda têm algumas regras. Já nos treinadores vale tudo. Como não são defendidos no despedimento, abrem-se portas à contratação desregrada.

RECORD – Acha que o Apito Dourado contribuiu para alguma mudança no futebol português?
AP – Contribuiu para o negócio das comunicações. Nunca como agora se mudou tanto de telemóveis e de cartões pré-pagos.

RECORD – Defende a profissionalização dos árbitros?
AP – Depende. Se profissionalizarmos Pedros Henriques, sim. Para profissionalizarmos Olegários prefiro que fique tudo como está.

RECORD – Acredita que o alargamento do número de árbitros em cada partida de futebol, de quatro para seis, tem vantagens que justifiquem o investimento?
AP – Basta ver a forma como a França se qualificou para o Mundial para não restarem dúvidas. O Henry segura a bola com o braço e depois ainda a ajeita com a mão e ninguém vê?

RECORD – As novas tecnologias são bem-vindas ao futebol?
AP – Tudo quanto melhore a verdade desportiva é bem-vindo.

RECORD – Admira Pinto da Costa?
AP – Como todos os desportistas, aprecio os vencedores, não é um defeito meu. Mas gosto mais dos homens que lutam contra as correntes, que não se deixam manietar e que resistem a tudo. Se Pinto da Costa encaixar neste perfil, só posso admirá-lo… mesmo sabendo que tem defeitos. Como diria o livre-pensador José Sousa Cintra: nem eu sou perfeito.

RECORD – Luís Filipe Vieira salvou o Benfica?
AP – Ter alguma dúvida a esse respeito só se for por má-fé. Não só salvou, como devolveu ao Benfica a grandeza que outros delapidaram.

RECORD – José Eduardo Bettencourt vai resistir à luta desigual com os rivais?
AP – Não começou nada bem. Mas espero que adapte o Sporting à sua realidade, mordendo os calcanhares aos rivais e podendo mesmo ultrapassá-los, sem embarcar em aventuras, e sem perder o realismo e o rigor da gestão de Soares Franco. Recebeu uma boa herança, talvez consiga.

RECORD – Carlos Queiroz é o selecionador indicado para Portugal?
AP – Acabou de o provar. E poucos seriam capazes de substituir os êxitos de Scolari, perante a descrença geral e as habituais críticas do iluminismo nacional.

RECORD – Quem seria um bom sucessor de Gilberto Madaíl na presidência da FPF?
AP – Espero que Madaíl continue, mas um dia esse será um fato feito à medida de Luís Figo.

RECORD – Viveu todos os grandes momentos do desporto português a nível internacional. Qual foi o mais importante para o país? Os Magriços em 1966, a medalha de ouro de Carlos Lopes, em 1984, ou a Taça dos Campeões do FC Porto, em 1987?
AP – Todos, é impossível escolher um deles. Mas há mais. Por exemplo: a dupla conquista da Taça dos Campeões pelo Benfica e a Taça das Taças ganha pelo Sporting, no início da década de 60, o triunfo do FC Porto na Liga dos Campeões, em 2004, que tive a felicidade de ver ao vivo, e as vitórias de Agostinho, no Tour. Inesquecível!

A saída do “24 Horas” e a contratação pela Cofina

RECORD – Por que aceitou o desafio de dirigir o Record?
AP – Por vários motivos. O primeiro era ter consciência que no “24 Horas” estava unicamente a viver um momento. Tínhamos uma equipa fantástica, que passou o jornal de 25 mil para 50 mil/dia, apenas num ano, mas que eu sabia que não se poderia manter por muito tempo. Depois, porque o Alberto do Rosário, que era o grande mentor do êxito do “24”, tinha deixado a Lusomundo e me aconselhou a vir para a Cofina. A seguir, pôs-se a questão sentimental. Comecei no jornalismo pelo desporto e tenho currículo nessa área. O Record era por isso um projeto aliciante. Finalmente, deixei o “24” porque estava mal pago e só decidiram rever as minhas condições quando souberam da proposta da Cofina.

RECORD – Teve pena de deixar o “24 Horas”?
AP – Imensa. Apesar de a Luísa Jeremias e do Luís Amorim terem acabado de sair, ainda lá ficaram o Pedro Araújo e Sá, o Miguel Pinheiro, o Pedro Tadeu, o Pedro Jorge Castro, a Sónia Bento, o Eduardo Sousa, o Cristiano Aguilar, o Zé Fonseca, a Raquel Lito, a Eunice Meneses… Foi terrível. Mas dos 12 nomes que citei, só um, o Tadeu, não trabalha hoje na Cofina. E não foi por falta de convite, foi ele que não quis.

RECORD – Nunca lhe passou pela cabeça voltar ao “24”?
AP – Não, quando decidi sair sabia que, desse a vida as voltas que desse, nunca mais voltaria. Não se regressa ao local onde se foi feliz, não é? E depois aquela equipa jamais tornará a reunir-se, estão quase todos na direção ou na primeira linha de projetos vencedores.

RECORD – Como olha hoje para aquele jornal?
AP – Não olho, deixei de o ver desde que saí, tive de matar o “pai” para sofrer menos. Hoje só desejo sorte aos que fazem o “24”.

Autores: ARTUR AGOSTINHO, ANTÓNIO MAGALHÃES, ANTÓNIO VARELA, JORGE BARBOSA e SOFIA LOBATO
Data: Quinta-Feira, 26 Novembro de 2009

 

Por Alexandre Pais
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