O homem perdeu a cabeça ao ver Marcelo Rebelo de Sousa à frente e, percebendo que tinha ali o tempo de antena de uma vida, gritou: “Não os deixe roubar, senhor Presidente!” Tentaram acalmá-lo mas ele queria sublinhar a revolta aos berros e repetia: “Não os deixe roubar, não os deixe roubar!”
Este episódio de há uma semana, quando o PR esteve em Espinho, diz quase tudo sobre o estado a que chegámos. Martirizados com a crise económica, com o desemprego, com as esperas nas urgências, com a desocupação dos jovens, com a insegurança, com os impostos, com a velhice e agora também com a confusão no ensino, os portugueses já se dariam por felizes se lhes garantissem que eles – os corruptos a quem é facilitado o acesso ao dinheiro – não poderiam continuar a roubar.
Vivemos hoje neste desespero muito porque quem passou pelo poder permitiu que auditorias, regulações, fiscalizações, inspeções e comissões disto e daquilo fossem incapazes de conter o descalabro das imparidades que descapitalizou a banca: em cinco anos, voaram 17 mil milhões de euros, 6 mil milhões só da Caixa Geral de Depósitos.
Resta a esperança de que a Comissão Europeia não deixe recapitalizar a CGD sem exigir a auditoria forense que meteria os vigaristas do passado na cadeia. Travar apenas os que hão-de vir, não chega.
Observador, Sábado, 23JUN16
Deixar roubar, deixar recapitalizar
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