Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o taxista completo

C

Em mais de oito anos (!) de
crónicas, por diversas vezes aqui escrevi sobre táxis e taxistas. Como não sou
grande utilizador, eis um tema
esgotado. Ou se calhar não, já que uma nova e ocasional corrida – que raio,
esta coisa da corrida… – pode
sempre revelar mais uma inesperada história.

Era um
homem de 60 e poucos anos, este. Quando lhe indiquei algures que vinha para o
edifício do Correio da Manhã, ele
admitiu – não perguntando – que eu teria algo a ver com informação, pelo que
fui de imediato designado recetor ideal para o que ele pretendia emitir. Ainda
peguei no telemóvel para me mostrar ocupado mas o ruído que emanava da tribuna
de som não permitia distracções.

Começou
pela política, o que foi para mim um alívio porque quando a conversa gira em torno
do futebol aturar o fanatismo é-me mais penoso. Passos Coelho, Relvas e Gaspar
foram os bombos da festa. Uns filhos desta e daquela foram os serviços mínimos.
E Cavaco? Esse é “o gande
responsável”, uma vez que “foi ele quem ensinou estes de agora”. O taxista
seria do PS? Não, Seguro, “um inútil”, deve igualmente ter sentido as orelhas a
arder, tal como Louçã, “um burguês que é só parlapié”. Então talvez simpatize
com o PCP, admiti. Também não, porque “o Jirónimo
o que quer”, garante o entendido, é “deitar a mão ao que eu andei a ganhar”.

Perto do nocaute e longe do destino, suspirei de
alívio com a mudança de agulha do palrador, que passou, de repente, a
atacar a igreja e “a macenaria”,
gente que “protege a malandragem que anda a roubar o povo desde o tempo de D.
Afonso Henriques”, pelo menos. “O sôr reparou
que a guerra dele com a mãe já foi por causa da padralhada?” Não, não…
balbuciei, sem perceber se me engasgava pela fulminante argumentação do taxista
completo ou se pela consciência da minha profunda ignorância.

Entrávamos
na Segunda Circular quando a bandeirada aumentou. Afinal, o especialista global
não se havia esquecido da bola. E efectuou a ponte perfeita com o Estádio da
Luz pela frente, uma obra “mandada fazer pelo Costa”, que “é unha com carne com
o Flipe e cozinharam isto os dois”.
Aliás, jurou, tudo o que não passe pelos árbitros – “que só obedecem ao Papa” – é comandado pelo Flipe, que “controla os bosses, os gajos que dão as ordens”.
Sejam lá eles quem forem, pensei eu, temendo colapsar quase com o pé em terra.

Antes de
pagar, veio a pergunta sacramental: “E o sôr
de que clube é? Do Belenenses? Ah, esses quem os matou foi o Tomás, que…”
Sim, sim, já estou cá fora, fala para aí. Creio que foi a primeira vez que não
dei gorjeta.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 27 setembro 2012. Tema de Sociedade da semana: histórias de táxis

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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