Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o inquieto descapotável

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Interrogo-me muitas vezes sobre o interesse das ideias avulsas, verdades sabidas ou comentários de incontida vulgaridade que há sete anos aqui derramo, perante a complacência dos leitores e com o atrevimento próprio de um nobody a quem semanalmente é concedido um momento de glória. Temo, por exemplo, abusar da costela de has been, situação dramática porque me faz reconhecer que estou velho e me dá a percepção de que me torno repetitivo, mas útil porque as novas gerações poderão confrontar-se, através da experiência alheia, com a memória de que não podem desfrutar.

Não disponho de outro feedback sobre estas crónicas que não seja o desejo da sua continuação por parte da direcção da SÁBADO, se calhar por excesso de cumplicidade, o aplauso de outros amigos – cuja generosidade me deixa sempre muito desconfiado – e opiniões avulsas que vão chegando por email e pelo Twitter, já que no blog Quinta do Careca, onde os textos ficam disponíveis ao fim-de-semana, os comentários estão bloqueados para que eu não seja obrigado a ler, a cada três mensagens, dois petardos de palavrões saídos das paixões da bola. Um bocadinho assim como aconteceu agora a Fernando Nobre, que se viu forçado a encerrar a conta no Facebook para não ficar submerso na onda de insultos provocada pela descoberta de que, afinal, tem uma tendência política – por muito independente que se haja proclamado.

Vem isto a propósito de auto-retratos e da minha incapacidade para fazer o meu, tantas têm sido as transformações ao longo da vida. Sinto que pouco ou nada tenho a ver com o fulaninho que fui no século passado, muito por influência da família que há 11 anos refundei e pela volta de 180 graus que imprimi à actividade profissional. Hoje, dá-me a sensação de que, à viragem do milénio, parei para pensar, carreguei num botão e a fada-madrinha – em boa verdade um amigo que se constituiu em porto de abrigo – fez surgir o homem novo. Valha lá ele o que valer, seja melhor ou seja pior.

Dizia-me há dias uma amiga, no Twitter, que a família é a base de tudo mas que, infelizmente, perdeu a dela, com a morte do marido e a saída de casa dos filhos, que se casaram e foram trabalhar para longe. Mas as mensagens que nos envia, do Brasil, demonstram que o seu retrato é a qualidade do pensamento e a bondade e jovialidade que transmite aos outros. Daí que me fique, prudentemente, pela caricatura acima, que há 10 anos uma artista popular me fez, em 30 segundos e por 3 dólares, numa esplanada de Havana. Já descapotável, de novo inquieto e jamais conformado.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 14 abril 2011. Tema de Sociedade da semana: auto-retratos

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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