O Mundo está ao contrário e
os efeitos dessa viragem do avesso atingem-nos cada vez com maior intensidade.
No último domingo, milhares de pessoas que se deslocaram para as praias da Linha
do Estoril deram com a Marginal fechada por mais uma excitante iniciativa popular
e andaram, em desespero, a entupir todos os caminhos adjacentes, A5 incluída.
Não é por Isaltino de Morais estar na cadeia que o devemos isentar de culpas,
já que eventos do género da Câmara de Oeiras são recorrentes. Que
arbitrariedade será essa que permite o corte sistemático de uma via
estruturante, com prejuízos para tantos milhares de pessoas? As bandas não
podem ir tocar música para outro lado? Não há melhor sítio para correr a pé ou
de bicicleta do que o asfalto da Marginal?
É, de facto, o Mundo – e o
País – de pernas para o ar. Ainda há dias vimos Vítor Gaspar abespinhado com um
repórter que fez, a um convidado, no Ministério das Finanças, uma pergunta que
o ministro entendia que lhe devia ter sido feita a ele – uma manifestação
pública de desagrado que caberia no teatro do absurdo de Pinter ou de Ionesco.
Aliás, Passos Coelho deve pertencer à mesma estirpe alienígena. Com a
generalidade dos economistas e dos analistas a garantirem que, com a política
seguida pelo Governo, iremos direitinhos para o abismo, a determinação do
primeiro-ministro em ignorar críticas e sugestões é extraordinária, faltando
apenas saber se estamos perante um acto sublime de coragem ou um palpite
de absoluta inconsciência.
Como se tudo não parecesse
suficientemente surrealista, em vez de uma nova geração de gente preparada e
disponível para reerguer o País, eis que tem de ser a juventude de 88 anos de
Mário Soares a patrocinar, valha isso o que valer, um encontro das esquerdas,
esse albergue espanhol onde todos fingem que não se odeiam fortemente,
lá cabendo, até ver, tanto os que protestam mas não querem resolver os problemas,
como os que sabem que, na mais simpática das hipóteses, pintarão de cor de rosa
a austeridade que juram abominar – e voltarão, claro, a prometer o que é
impossível de cumprir.
Para não sair do domínio do nonsense,
temos agora à porta mais uma greve dita geral – para convencer Paulo
Portas a deixar cair Passos Coelho, que outro efeito poderá ter? – à qual
aderiu, com aparato, uma figura saída do lápis de Hergé, o novo sr. Silva da
nossa vida coletiva, um Serafim Lampião em fuga das Aventuras de
Tintim. Ai, quem me dera ser um daqueles médicos portugueses que, a bem da
ciência, fazem misturas explosivas de Xanax, bagaço e haxixe, e depois escrevem
textos poéticos e desenham sob o efeito das drogas… Enquanto ia e vinha, ao
menos a cabecinha não estava cá.
Observador, publicado na edição impressa da Sábado de 6 maio 2013