O que teria sido
a música portuguesa se não tivesse ficado, fará em agosto próximo 25 anos, sem o
talento, o
bom gosto, a alegria, a polivalência, a capacidade de trabalho e a modernidade que faziam parte do ADN de Carlos Paião? Teria sido diferente
e seguramente melhor, embora os ses nada contem para o campeonato da realidade.
O que posso dizer, agora, é que sofri, nesse verão de 1988, um enorme desgosto
com a notícia do desastre rodoviário que tirou a vida ao autor de Playback e de Pó de arroz, do reportório de Serafim Saudade e de tantos êxitos ainda
hoje atuais. Foram, aliás, duas perdas consecutivas, já que na véspera, na
madrugada de 25, havia desaparecido grande parte do Chiado, num incêndio
pavoroso que acabou, também, com inúmeras referências da minha infância
alfacinha.
Para o mal e para o bem, esses
agitados dias de agosto serão inesquecíveis, pois passava, então, férias em
Itália, na Costa Amalfitana, com o Luís Norton de Matos, a Xana Nunes, a Fátima
Raposo – igualmente já desaparecida, num acidente de automóvel… – e um pequeno
grupo de manequins. Tínhamos ido participar num desfile de new faces, patrocinado em Portugal pela
revista que na altura dirigia. Lembro-me de irmos a sair de manhã, do nosso
hotel sobre a praia, em frente à romântica ilha de Capri – Capri c’est fini, de Hervé Vilard,
imortalizara-a em 1965 –, a caminho das ruínas de Pompeia, quando vimos, na
televisão, a reportagem da tragédia na capital
portuguesa.
Na vida, há sempre sensações que
nunca tivemos, mais as más do que as boas, por desgraça, prontas a saltar da
lista das estreias. E isso de se olhar, de forma descontraída, para um ecrã de
TV, sem se procurar coisa alguma, sem se esperar nada, com a cabeça limpa de
preocupações, longe de casa e da fonte de todos os problemas e, de repente,
sermos obrigados a acordar com a
imagem de chamas que consomem o coração da cidade que nos viu nascer é de uma
violência desconhecida por quem nunca passou por essa experiência. Recordo que
senti um choque rápido, depois uma dor profunda e logo de seguida a angústia que
resultava da dúvida sobre a extensão dos danos, de que a notícia, de imediato,
não nos dava conta.
Foi tempo de telefonemas sem fim
para Lisboa – a era dos telemóveis só chegaria na década de 90 – e um dia quase
estragado. Nem sonhávamos que a 27 iríamos acordar com outro pesadelo: a morte
de Carlos Paião.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 7 março 2013. Tema de Sociedade da semana: os 25 anos da morte de Carlos Paião