Numa
daquelas reportagens de coisa nenhuma que todos os meios de comunicação
inventam numa altura do ano em que as notícias são ainda em menor quantidade do
que os jornalistas que ficam nas redacções, surgiu um dado interessante: o de
haver estrangeiros que se estarão a desviar de destinos fortes no turismo, como
Grécia e Espanha, para virem fazer férias em Portugal, seduzidos pela quase
ausência de agitação nas ruas. Mas esta coisa da paz social em que vivemos, ou
parecemos viver, tem muito que se lhe diga.
Começa por ser uma questão de número. Somos um país pequeno, pelo que qualquer
manifestação nunca junta tanta gente quanto a que seria necessária para
pressionar o poder e incentivar as pessoas a meterem-se em novos protestos. E
se algumas franjas dessas manifs
quiserem arranjar confusão, duas dezenas de polícias de choque chegam para
anular o princípio do fogo.
Vêm depois os tão celebrados brandos
costumes. Muito entusiasmo no início dos processos e exaustão total quando
eles se arrastam. É, aliás, uma limitação cultural. As gerações mais antigas,
marcadas por anos a fio sem debate democrático, olham sempre para o lado antes
de emitirem opiniões e acham que o direito
à indignação é para ser exercido pelos mais novos. Estes, por sua vez,
odeiam a querela partidária, não acreditam nos políticos, nada de estimulante
descobrem no horizonte e não estão para chatices. Enquanto houver internet e concertos, discotecas e
copos, futebol e telenovelas, morangos
com açúcar e famosos a dar
barraca, levar os jovens a preocupar-se com o amanhã é tarefa para a qual não
se consegue reunir forças.
A seguir temos os partidos que defendem a ruptura do sistema diminuídos pelos 13 por cento de votos contra a troika que lograram em conjunto nas últimas eleições e sem
a capacidade de mobilização dos bons velhos tempos. E os sindicatos a padecerem
de mal semelhante, sem argumentos para convencerem empregados e desempregados
de que, com mais greves e mais contestação social, haverá, enfim, trabalho para
todos.
Finalmente, temos a praia. Mil e tal quilómetros de costa, pouca chuva e o
celerado aquecimento global – tudo à borla – fazem com que os aumentos das
rendas, do gás, da electricidade e dos combustíveis sejam apenas incómodos, que
se olhe para o fecho das empresas como actos de normalidade, que a queda do
nível de vida surja como punição natural para os nossos desmandos, que as
diatribes do Governo, necessárias ou injustas, se encarem com indiferença, que
o futuro não passe de algo para se tratar depois. E, prontos, ficamos por aqui, tá
na hora de ir eu ao banho.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 23 agosto 2012