O aumento dos
combustíveis já não impressiona, os velhos parece até não morrerem tão sós como
noutros tempos, os incêndios estão fora de época,
a política anda aborrecida, a modorra domina a atualidade. Eis se não quando, do
nada, surge um tema forte: a perseguição aos ministros, com Grândola, vila morena como introdução ao
tradicional chorrilho de insultos, às ameaças e às tentativas de agressão. A
abertura dos telejornais está garantida.
Há países onde não se fazem diretos
sobre fogos porque a visualização dessas imagens funciona como incentivo para
que os pirómanos peguem ao trabalho. Entre nós, mandam exclusivamente
os critérios editoriais e um ministro a ser apoucado é matéria jornalística
incontornável, logo aproveitada pela rapaziada da baderna para estender a sua
manta.
Com este frenesi mediático, a onda
de contestação não parará após as manifestações de 2 de março, embora seja
difícil que se avolume de tal forma que venha a tornar-se demasiado pesada para
quem governa. O perigo para o Executivo não vem de umas dezenas ou centenas de
arruaceiros que marcam os
ministros, e tentam silenciá-los e intimidá-los. Nem de manifs que movimentem largos milhares de
descontentes, vindos de todo o país, e que repitam, de punho cerrado, slogans estafados como gatunos ou Passos para a rua ou a luta continua.
O problema só será real
para o poder quando tomarem a difícil – e até hoje raríssima – decisão de
abandonar a sua zona de conforto os eleitores cujo voto salta do PS para o PSD e
vice-versa. É esse imenso bloco
central, aquele que por norma decide o vencedor das eleições, que
pode fazer tremer os senhores que, tendo encontrado os cofres públicos vazios e
os credores à porta, se dispuseram a permitir que o Estado deixasse de ser
pessoa de bem e pudesse até roubar os mais indefesos. Quando boa parte dessa
gente se dispuser ao protesto não silencioso, então sim, tudo abanará.
Perdi a simpatia inicial por Passos
Coelho e pela sua equipa. Não por esperar maravilhas mas por nunca ter sonhado
que conseguissem ser tão maus. Um executivo que não é capaz de tratar de forma
diferente o que é diferente e que exibe uma total ausência de sentido de justiça
e de equidade, cortando o que não deve por falta de competência e mantendo
privilégios por défice de coragem, não merece apoio, nem sequer respeito.
Mas a
questão que se coloca é civilizacional. O que conta no regime democrático são os
votos livremente expressos e não as vitórias de quem grita mais alto, por
muita razão que lhe assista. E antes ter este governo do que vê-lo cair na rua,
ao arrepio da vontade das urnas. A democracia tem destes pormenores, é uma
chatice.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 27 fevereiro 2013