Quem nos diria que o remate enrolado de um tal Ronan, que bateu em Alex Telles e “sobrevoou” Casillas – na sequência de uma improvável perdida de bola de Danilo e de um corte frustrado de Felipe – resultaria no último golo (sofrido) da carreira de um ícone do Real Madrid e do FC Porto? É a vida, essa eterna caixinha de surpresas.
É verdade que não existe uma decisão definitiva e que se compreende que médicos do portismo, como Nélson Puga ou Domingos Gomes, admitam a hipótese de Iker Casillas voltar a jogar e que no FC Porto se queira acreditar no seu regresso aos relvados. Afinal, essa postura de esperança faz parte da onda de carinho com que o Planeta Futebol submergiu o guarda-redes num momento tão difícil.
Já se entende menos a bacoquice de algumas intervenções sem sentido – um jornalista (?) escreveu até que Casillas fora operado para lhe colocarem um cateter! À comunicação social compete tentar antecipar o dia seguinte, com base na realidade e não em intenções piedosas.
Logo a seguir ao enfarte, conheceu-se o veredito do médico Juan Antonio Corbalán, que tendo sido um dos melhores basquetebolistas espanhóis sabe duplamente bem do que fala. É fácil perceber a explicação: “Não se pode jogar futebol com um ‘stent’, muito menos um guarda-redes. O Iker vai voltar a fazer a vida normal, mas não jogará mais a nível profissional”. Tendo em conta que um ‘stent’ é um pequeno tubo que serve para manter aberto o vaso sanguíneo no local onde se deu a obstrução – e para isso serviu o cateterismo – calcula-se o perigo que correria Casillas se prosseguisse uma atividade de contato físico intenso e por vezes violento. “O risco é que uma pancada possa provocar algo”, adiantou o cardiologista espanhol José María Castellano, ao jornal “El Mundo”.
É evidente que existe também a vontade do jogador. Só que aos 38 anos, com uma família lindíssima e filhos pequenos, uma carreira que nem Buffon se importaria de ter tido e uma saúde financeira óbvia, que sentido faria Casillas arriscar e continuar a jogar, ainda que os médicos o permitissem?
Se alguém duvidasse da dimensão global de Iker, os últimos dias foram esclarecedores. Por todo o mundo, atletas de várias modalidades e personalidades diversas inundaram sites e redes sociais com mensagens de incentivo e de genuíno afeto. Mas a realidade é dura: 26 de abril de 2019 e Vila do Conde marcam a despedida de Casillas como atleta profissional de futebol. Infelizmente, além de sofrer o golo fortuito aos 90 minutos, Iker teve de suportar depois o terceiromundismo da manifestação de ira da sua claque. Uma menoridade a esquecer no percurso de um desportista de eleição, de um dos maiores guarda-redes de todos os tempos e que o Porto e Portugal tiveram a honra – e nós o orgulho por isso – de acolher ao longo de quatro épocas, num “exílio” retribuído com excelentes exibições, bons exemplos e um nome lendário no cartaz. Já sentimos saudades, mas a vida é o que é. E Iker merece tudo, chapeau!
O último parágrafo vai para outra lenda: John Higgins, que disputa desde ontem a final do Mundial de snooker, a oitava da sua carreira e a terceira (!) consecutiva. Sagre-se ou não campeão pela quinta vez, é um privilégio poder ver jogar este escocês de 43 anos. Ronnie O’Sullivan, seu rival, número um do ranking e para muitos o melhor da história do snooker, disse há dias que nem em 50 anos aparecerá outro John Higgins. E está dito.
Até sempre, Iker! Já temos saudades tuas
A