O futebol é como a vida segundo Maquiavel: mais importante do que ser é parecer. E há pessoas que têm uma capacidade de sedução tão notável como inacreditável. Hoje, vou contar-vos uma história. Ou talvez duas, depende do tempo que o leitor leve a fazer o favor de acompanhar o que escrevo.
Há muitos, muitos anos, o editor de um novo diário teve a ideia, brilhante mesmo, de promover o lançamento tentando recolher – e pagando – uma frase de incentivo à compra do jornal, saída da boca de alguns dos grandes futebolistas portugueses que se destacavam na Europa. Encontrado o garimpeiro para essas palavras de ouro, logo o empresário foi avisado que não valia a pena ir à procura de Figo, Rui Costa, Fernando Couto ou outro craque qualquer porque o influenciador dessas decisões seria sempre um e apenas um: Paulo Sousa. O que ele dissesse, e por muito estranho que pudesse parecer, os seus amigos fariam. Certo é que a viagem de ‘prospeção’ aconteceu, mas a ideia, o valor dos cachês ou tudo junto não terão agradado e a promoção ficou-se por águas de bacalhau.
Vários anos mais tarde, quando cheguei à direção deste jornal e procurei renovar o quadro de comentadores, logo alguém apontou um nome: Paulo Sousa. Se ele escrevesse aqui, seria o máximo! Feito o contacto e redigido um contrato ao nível das estrelas de Hollywood, que contemplava um pagamento elevado – que só José Mourinho ultrapassaria alguns meses depois, na edição de domingo – o ex-jogador iniciou a colaboração.
Não fomos longe. Uma revista da Cofina publicou uma reportagem, banalíssima, em que surgia a mulher de Paulo Sousa, então figura pública, o que não agradou ao novel colunista e a sua reação foi imediata: deixou de escrever no Record e processou a empresa! Escusado seria acrescentar que o caso não tinha pernas para andar e que andámos a vaguear pelos tribunais para o absurdo vir a morrer na praia.
Nunca será demasiado lembrar o jogador extraordinário que Paulo Sousa foi e a ‘boa imprensa’ de que ainda hoje desfruta graças ao êxito da sua carreira no futebol. E embora como treinador as suas proezas sejam menores, não há clube que procure um novo técnico sem que se leia nos jornais: ‘Paulo Sousa sondado’… Obrigado, rapazes.
Recordei os dois episódios após saber das notícias que nos chegam do Flamengo, com o ‘show off’ do treinador português, que tanto impõe severas regras de disciplina e opta por uma preparação madrugadora como substitui o treino da tarde por um churrasquinho para passar a mão pelo lombo dos meninos. Daqueles bons meninos que, na realidade, em breve irão decidir se estão dispostos a morrer em campo pelo novo general ou se vão mandá-lo pentear macacos.
Sei como vai acabar, mas há muito que me habituei a não guardar rancores. Afinal, o Record já esqueceu os agravos e se houvesse mais um português a triunfar além-mar, melhor seria. Desgraçadamente, essa possibilidade anda próxima do zero, pois o Brasil só se dá bem com quem se julga muito fresco, muito inovador e muito importante desde que quem assim se julga ganhe sempre. E não será o caso, como veremos.
Outra vez segunda-feira, Record, 24jan22