As empresas não são repartições estanques, com os seus vícios, os seus sonos e a tranquilidade que lhes oferece como falsa garantia o passado. Refletem, sim, a sociedade e a sua evolução, as suas aspirações, dúvidas e problemas, e as perspetivas que se abrem ao seu crescimento e ao futuro.
Não temos já aqui no Record uma boa dezena de jornalistas que gostaríamos de ver ainda connosco se o jornal, a imprensa, o País e o Mundo fossem hoje o que eram há 10 ou 15 anos. A realidade não se compadece com romantismos, nem sequer respeita o que seriam normais sentimentos de justiça e solidariedade. Vivemos diariamente no limite, amparamos com as próprias mãos os frágeis muros que nos separam da crueldade e do absurdo.
Deixo esta introdução para lhes dizer a seguir como compreendo, e como acho, em simultâneo, uma vergonha, o que o Sporting está a fazer a Manuel Fernandes, símbolo de um clube que perdeu, irresponsavelmente, quase todas as referências.
É fácil e popular defender uma figura como a do antigo capitão e extraordinário goleador. Difícil é arranjar disponibilidade financeira para honrar as resmas de compromissos que o Sporting contraiu de forma demagógica, pagar todas as contas e equilibrar a balança do “deve” e do “haver”. Para poder então aspirar ao objetivo maior que, refeita a imagem de honradez, se coloca a Bruno de Carvalho: a recuperação da grandeza leonina.
Do ponto de vista pessoal, estou do lado de Manuel Fernandes, que muitas vezes vi atuar e que tanto me emocionou com a sua entrega ao jogo e efetivo amor à camisola. Mas como jornalista, e também como gestor, só posso entender e aceitar a redução de cargos e de custos levada a cabo por uma direção que herdou tempos de delírio bem intencionado e de voluntarismo irrealista.
E se gigante foi o capitão, gigantesca é agora a tarefa de manter vivo o emblema que fez do grande Manel um ídolo.
Canto direto, publicado na edição impressa de Record de 27 abril 2013