Se há coisa que muitos portugueses não toleram é o triunfo na vida de um dos seus. Não perdoam que quem se preparou melhor, trabalhou mais, resistiu ao sofrimento e lutou por um lugar ao sol – fosse nos negócios, na política, na televisão ou no futebol – haja conseguido ‘chegar lá’. Porquê ele e não eu? – perguntam, como se tudo fosse uma questão de sorte e os mandriões tivessem, talvez por intervenção divina, o direito a furtar-se à condição de falhados.
Idêntico fenómeno se passa noutros países, a começar pela vizinha Espanha, onde os ‘trolls’ das redes sociais, do mesmo calibre da ‘nata’ nacional desse triste passatempo, despejam todo o seu ódio sobre Cristiano Ronaldo. Curiosamente, enquanto a maioria dos adeptos do Real Madrid defende CR7, em nome dos seus êxitos com a camisola ‘blanca’, são os ‘hinchas’ do Atlético de Madrid os mais contundentes inimigos do internacional português, colocados que estão perante a sua possível chegada ao Cívitas Metropolitano. De ‘acabado’ a ‘oportunista’ chamam-lhe tudo, recusando esquecer as humilhações a que Cristiano os sujeitou, com golos e respostas a provocações diversas. Houve, como sabemos, cenas de caixão à cova.
Confesso que vejo mais facilmente uma mudança de planos no Bayern de Munique ou a surpresa de um ‘regresso’ ao United – Ten Hag não se cansa de insistir que quer contar com Cristiano – do que uma ida contranatura para o Atlético. Seria uma decisão suicida que, depois de arrasado o entusiasmo e o carinho dos adeptos do MU pelo regresso do filho pródigo, destruiria também grande parte da lenda que CR7 construiu no Bernabéu – onde dificilmente voltaria a pôr o pé. Para não perder uma época de Champions valerá a pena morrer no coração de quem mais o amou?
Claro que a sua contratação pelos ‘colchoneros’ provocaria uma revolução nos ‘gremlins’ das redes sociais. Boa parte dos fãs madridistas, que ainda o idolatram, não mais o respeitariam. E a rapaziada brava ‘rojiblanca’ começaria por insultá-lo na net, e assobiá-lo no estádio, mudando de atitude mal CR7 marcasse para aí o quinto ou o sexto golo, porque os valores dos mentecaptos têm a consistência do puré.
Para mim, a permanência no United seria a decisão acertada – e o mês extra de férias dar-nos-ia um Cristiano mais forte – por uma questão de não trair a confiança da sua gente e porque após os falhanços de Sarri e Pirlo, Solskjær e Rangnick, ele teria, enfim, em Ten Hag, o treinador capaz de armar uma equipa sólida à sua volta. Iria marcar bem mais que os 24 golos da temporada passada! E em 2023/24, com mais o ano de opção que tem no contrato, regressaria então à Liga dos Campeões para aumentar os seus recordes. Temo que não seja assim e tenho pena.
Outra vez segunda-feira, Record, 25jul22