No início dos anos 70, os jornalistas nasciam ainda por geração espontânea. Levados para as redacções por outros jornalistas ou admitidos por recomendação de alguém, cedo havia que perceber se tinham algum talento para a profissão ou se eram simples candidatos a um emprego.
Entravam então em acção chefes, coordenadores e outros seniores com tarimba, malta da pesada que habilmente punha a nu os defeitos das criaturas. Se não chegavam a horas, se assassinavam o português, se não entendiam à primeira, se desprezavam o rigor ou se preferiam o individualismo à camaradagem, em poucos dias estavam na rua.
Encontrei, nessa altura, na redacção do Diário de Lisboa, nomes míticos do jornalismo, profissionais de rosto fechado que dividiam os humores entre bonomia e austeridade. Passar pelo seu crivo era um privilégio.
Morreu há dias um homem dessa dimensão, um dos últimos, o Fernando Pires, que fez carreira – e que carreira – no Diário de Notícias, e que foi também extraordinário na rádio, onde tive a honra de trabalhar com ele. Tentou até – com o Antunes Ferreira – levar-me para o DN, em 1976, o que só não aconteceu porque eu ganhava no Jornal Novo o dobro do que me ofereciam. Cometi um erro. E perdi a oportunidade de voltar à escola com um professor de rara estirpe, um modelo de jornalista que as fábricas, desgraçadamente, deixaram de produzir.
Observador, Sábado, 4JUN15
Uma estirpe que acabou
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